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Soluções para a crise da pesca marinha

Setembro 4, 2019

Por Ademilson Zamboni

A pesca marinha no Brasil está em uma encruzilhada. O cenário alardeado é de crise profunda, que se agrava a cada ano. O setor se apresenta para um mercado global do século XXI com práticas e visões dos anos 1970, e caso não haja uma mudança de atitude, pode não existir futuro para esta importante atividade.

Vivemos uma economia pesqueira globalizada, na qual o pescado é capturado no Alasca, processado na China e comercializado no Brasil com preços atrativos, como é o caso da polaca. O salmão também dita avanços no padrão de consumo dos brasileiros, impulsionado por facilidades logísticas, com um crescimento de mais de 550% em uma década. Faça um teste em qualquer sushi bar e verá o domínio do salmão. Até aí, nada contra. A questão é: o que o setor de captura tem feito para se reposicionar em um mercado cada vez mais competitivo?

A aquicultura brasileira, com base na tilápia, no camarão e em um crescente número de espécies nativas, abocanha rapidamente sua fatia de mercado, produzindo hoje, de forma regular, mais de 700 mil toneladas anuais. Ao combinar previsibilidade de produção, qualidade, rastreabilidade e certificações (orgânicas e sustentáveis) a aquicultura empresarial nada de braçadas para ocupar um espaço – que já foi dominado por um setor pesqueiro que – salvo raras exceções – parece confortável com velhos hábitos.

Em grande parte do mundo, o pescado de captura selvagem (wild catch) tem um diferencial positivo de mercado em relação ao pescado procedente da aquicultura. Mesmo com esse nicho único disponível, o setor pesqueiro brasileiro não consegue se desenvolver por questões estruturais básicas, como a falta de um planejamento de longo prazo para o negócio da pesca no Brasil. O setor tem que se reinventar, e não há mais tempo a perder.

Não há mais espaço para métodos de pesca dos anos 1960, como as parelhas e os arrastos. É loucura assumir o descarte de volumes enormes, chegando a 70% do total pescado, de pequenos peixes que poderiam, no futuro, ser comercializados com tamanho comercial. Isso não pode ser aceito, seja pelo viés ambiental ou econômico. Os descartes na pesca são tão inconsequentes quanto um cultivo no qual o proprietário utilizasse um único tanque para abrigar seus alevinos, suas matrizes e os peixes de corte, sendo que, a cada despesca, o lago todo é esgotado. Simplesmente não faz sentido.

A falta de visão e apetite para empreender em qualidade passa pelo cuidado com o produto que será comercializado: viagens de pesca de algumas frotas podem durar até 30 dias no mar, com peixes prensados em pilhas de gelo por semanas. Como um produto nessas condições pode competir no mercado? Será que a pesca de fato extrai todo o potencial econômico de cada peixe capturado? Ou destrói seus estoques e desperdiça oportunidades? Precisamos produzir priorizando a quantidade ou a qualidade? Qual é a política? O que o Brasil está pensando para os próximos 10 ou 20 anos?

O exemplo mais recente do “Brasil na contramão do mundo” é a expansão desordenada da nova pesca de atum no Nordeste brasileiro – a “pesca de sombra”. Posicionar melhor o país na negociação de cotas na Comissão Internacional de Conservação do Atum no Atlântico (ICCAT, na sigla em inglês) não significa que precisamos basear nosso desenvolvimento na produção de conservas de yellowfin e bigeye. Esses peixes quando frescos possuem valor infinitamente maior para o mercado, mas precisam ser enlatados pela falta de qualidade e de planejamento na cadeia.

No segmento da aquicultura, a produção cresce a uma taxa de 10% ao ano. A pesca, por sua vez, nem possui estatísticas. O estado dos estoques brasileiros sequer é conhecido. Além disso, populações esgotadas ou ‘sobrepescadas’ não produzem todo o seu potencial econômico. Nos Estados Unidos, o red snapper (L. campechanus) – ‘primo-irmão’ do pargo produzido no Pará – entrou em um manejo por cotas para recuperar o estoque que estava muito reduzido.  Entre 2008 e 2018, as cotas de captura subiram de 2.267 toneladas para 6.200 toneladas – isso só foi possível porque ao obedecer limites rígidos, estoques foram recuperados e as condições para a captura, por consequência, também melhoraram.

Enquanto outros países quase triplicam sua produção por meio de uma gestão técnica que é capaz de restaurar os estoques, a pesca no Brasil perde meia década discutindo se a Portaria MMA 445 – a lista de espécies ameaçadas de extinção – “cai” ou “fica em pé”, se os critérios da IUCN são aplicáveis ou não, ou se as competências ministeriais se equivalem em importância política. É muito tempo perdido em discussões que parecem feitas para que nos afastemos de soluções concretas para o problema da gestão pesqueira no país.

Governos e chefes de Estado mudam em ciclos de quatro anos (às vezes menos). Cientistas, imunes à situação da pesca, seguem trabalhando em suas instituições. As organizações não governamentais seguem buscando melhores condições para proteção dos oceanos e para viabilizarem a pesca sustentável. Percebam, todos atores que não são diretamente afetados, pois não dependem da pesca para sobreviver. No fundo, o maior prejudicado nesses ciclos de mudanças políticas e crises é a pesca e tudo o que ela envolve ou impacta, o mercado, pescadores, estoques pesqueiros e os ecossistemas marinhos cada vez mais combalidos que sustentam a produção.

Se o setor, principal interessado na pesca sustentável, não liderar uma transformação urgente na forma como se pesca no Brasil, o futuro não será promissor. É preciso restaurar os estoques e manter os ecossistemas marinhos saudáveis. Essa deve ser uma prioridade do próprio setor, e não apenas de governantes, cientistas ou ONGs.

Ademilson Zamboni é oceanólogo, mestre e doutor em Engenharia Ambiental e diretor-geral da Oceana Brasil.

Artigo publicado no jornal Valor Econômico