Nessa Oceana Entrevista, Andrés Del Castillo e Rachel Radvany afirmam que é fundamental assegurar a participação da sociedade e evitar que as indústrias dominem as negociações do acordo internacional para garantir resultados ambiciosos rumo a um futuro mais limpo
No próximo mês, entre os dias 5 e 14 de agosto, ocorrerá a segunda parte da quinta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC 5.2) sobre Poluição Plástica em Genebra, na Suíça. Realizado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e em discussão desde 2022, esperava-se que as negociações fossem concluídas no ano passado – o que acabou não acontecendo. Essa rodada adicional busca, mais uma vez, alcançar um texto para o Tratado Global Contra a Poluição por Plástico, com a expectativa de diversos países de que um instrumento internacional com força de lei seja estabelecido nos países membros.
O acordo tem sido alvo de forte interferência das indústrias petroquímica e do plástico no estabelecimento de metas ambiciosas que enfrentem de forma estrutural esse problema. Nesta edição da Oceana Entrevista, conversamos com os especialistas do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL) Andrés Del Castillo, advogado sênior do Programa de Saúde Ambiental e Rachel Radvany, analista de saúde ambiental. Há mais de 30 anos, a organização atua, por meio da lei, na defesa do meio ambiente, dos direitos humanos e na luta pela garantia de uma sociedade justa e sustentável.
Na entrevista, Castillo e Radvany alertam sobre os impactos do plástico para a saúde humana e para a conservação do clima, analisam o lobby das indústrias na elaboração do Tratado e discutem caminhos legais que podem salvaguardar o acordo da de empresas que se opõem a medidas efetivas no combate da poluição por plástico.
O que está em jogo nas atuais negociações do Tratado Global Contra a Poluição por Plástico, e por que é essencial que ele vá além da gestão de resíduos e trate da redução da produção e da regulação de químicos tóxicos?
A poluição plástica é uma das maiores crises do nosso tempo e o Tratado Global Contra a Poluição por representa uma oportunidade única para enfrentá-la de forma abrangente. Hoje, tanto o público quanto os governos têm uma compreensão mais ampla dos impactos devastadores do plástico ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a extração de combustíveis fósseis, passando pela produção, uso e descarte até a gestão inadequada de resíduos.
Grande parte das emissões de carbono associadas aos plásticos ocorre durante sua produção. Por isso, é urgente frear a expansão de novas usinas petroquímicas até que se estabeleçam critérios claros sobre níveis sustentáveis de produção. Isso ajudaria a conter a atual sobrecapacidade global do setor e a reduzir a pressão sobre os sistemas de gestão de resíduos, que já operam no limite. Além disso, já foram identificados mais de 16 mil produtos químicos presentes nos plásticos, muitos com efeitos comprovadamente nocivos à saúde humana. Trata-se de um risco constante, considerando o uso cotidiano e generalizado desses materiais pela população.
O Tratado Global pode e deve enfrentar essa crise de forma estruturada, priorizando a redução da produção de plásticos, a eliminação de substâncias tóxicas em sua composição e promovendo medidas tanto no design de produtos quanto no gerenciamento de resíduos. Só com uma abordagem integrada e ambiciosa será possível proteger a saúde humana, o clima e o meio ambiente.
Quais são os principais exemplos de interferência da indústria observados nas negociações até o momento, e como isso afeta o andamento e a ambição do Tratado?
Em cada de negociação, o setor de plásticos aparece com muitos lobistas. A rodada de negociações mais recente contou com 220 empresas de combustíveis fósseis e petroquímicas (de um total de 3.300 participantes). Esses lobistas interagem com as delegações (e, às fazem parte das equipes de negociação) e as pressionam a apoiar suas metas políticas, que incluem a oposição a quaisquer reduções na produção de plásticos ou à regulamentação de produtos químicos usados nesses itens. No período intermediário e antes das INCs, eles também financiam estudos e distorcem a narrativa para que haja apoio ao seu setor e aumento à dependência de plásticos. Em alguns casos, durante as reuniões, os representantes da indústria também usaram estratégias como a intimidação de cientistas independentes nas reuniões; ou, ainda, tiram fotos de delegados que fazem intervenções ambiciosas e os acusam de “querer acabar com a indústria local”.
Há algum precedente internacional que inspire a criação de salvaguardas eficazes contra conflitos de interesse comerciais como o que se estabelece entre a indústria de plásticos e petroquímica e os objetivos públicos de proteção ambiental, da saúde humana e dos direitos ?
A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (FCTC) é um ótimo exemplo de um Tratado que estabeleceu com sucesso proteções contra a captura corporativa. O artigo 5.3 desse Tratado exige que os Estados protejam suas políticas dos interesses particulares da indústria do tabaco. O artigo 5.3 é bastante completo, pois se aplica às negociações do Tratado e também às políticas nacionais para sua implementação. Esse seria um bom modelo para o Tratado Global Contra a Poluição Plástica, interesses particulares semelhantes e usa táticas parecidas com as do setor de tabaco, mas por enquanto ele não está sendo considerado.
O que deve ser feito agora para garantir que o texto do Tratado inclua salvaguardas contra conflitos de interesse?
Temos três recomendações importantes para controlar uma potencial captura regulatória. A primeira é reconhecer a possibilidade de conflito de interesse no preâmbulo do instrumento. A segunda é garantir que qualquer órgão subsidiário que seja criado, especialmente se houver um comitê de revisão científica e técnica, tenha uma política de conflito de interesses para evitar a influência indevida do setor. A terceira é excluir as referências ao setor privado em áreas específicas do texto (como no sobre a poluição plástica existente) ou, quando o setor privado estiver envolvido (como no mecanismo financeiro), estabelecer salvaguardas para essas interações – por exemplo, quando houver previsão de contribuições financeiras obrigatórias da indústria do plástico, deveria-se assegurar a independência da alocação de recursos.
Qual é o papel da sociedade civil, da comunidade científica e dos Três Poderes no enfrentamento dessa interferência e na proteção da integridade do processo de negociação?
Proteger a participação pública e impedir a captura corporativa são dois lados da mesma moeda. Ambas são condições fundamentais para garantir a integridade e a legitimidade das negociações desse Tratado Global.
A sociedade civil tem sido repetidamente excluída das negociações. É como sediar uma Copa do Mundo e expulsar os torcedores do estádio. Sem a sociedade civil, perde-se não só a ambição, mas também a legitimidade do processo. A exclusão também prejudica diretamente as pequenas delegações dos países em desenvolvimento, que muitas vezes precisam do apoio técnico da sociedade civil para acompanhar e contribuir de forma qualificada nas negociações. Negociar um Tratado Global sem essas vozes é ignorar tanto o conhecimento essencial quanto a realidade vivida por quem está na linha de frente da crise dos plásticos.
A sociedade civil, incluindo as comunidades de base, povos indígenas, catadores e jovens, dentre outros, trazem experiências vividas dos impactos da poluição plástica, alertando para os danos reais enfrentados em todo o mundo. Além disso, contribuem com conhecimentos que fortalecem as propostas das delegações e conectam o Tratado às realidades no território.
Cientistas independentes também desempenham um papel crucial, oferecendo evidências sobre os efeitos dos plásticos no meio ambiente, no clima e na saúde humana, reforçando a urgência de sua regulamentação. Essas são as vozes que devem ser ouvidas, respeitadas e colocadas no centro das decisões, se quisermos uma solução justa e eficaz para a crise global dos plásticos.