A situação da gestão pesqueira é alarmante

Estamos pescando no escuro e nossas pescarias podem colapsar.

A pesca no Brasil é uma atividade importante para a economia, para a segurança alimentar e para a cultura de milhares de pescadores. Apesar de sua importância, a gestão pesqueira no Brasil tem um histórico negativo, com medidas de gestão obsoletas e ineficazes. Crises recentes como a observada na pesca da sardinha são exemplos dos prejuízos causados por um modelo de gestão ultrapassado. Outro exemplo notório é a ausência de dados e de estatística pesqueira, um cenário com o qual convivemos já há uma década.

Diante de um contexto de incerteza, falta de informações e transparência sobre a situação do setor pesqueiro, é urgente avaliar o estado da gestão da pesca. Através de uma seleção de 22 indicadores, realizamos um diagnóstico sobre a situação da gestão pesqueira no Brasil. Os indicadores foram elaborados pela Oceana, tomando como base o Código de Conduta para a Pesca Responsável da FAO, para mapear a situação dos principais estoques pesqueiros, avaliar o ordenamento e monitoramento da atividade pesqueira, o grau de transparência das informações e a robustez do marco legal que rege a pesca no país, a Lei 11.959/2009.

  1. Auditoria da Pesca 2020

    1. Estoques

      1. Estoques com status conhecido

      2. Estoques sobrepescados

      3. Estoques em sobrepesca

      4. Estoques com limite de captura

      5. Estoques com plano de gestão

    2. Pescarias

      1. Medidas de ordenamento

      2. Redução de capturas incidentais

      3. Monitoramento de desembarque

      4. Monitoramento a bordo

      5. Entrega de mapas de bordo

      6. Embarcações monitoradas por sistemas de rastreamento

    3. Transparência

      1. Comitês Permanentes de Gestão ativos

      2. Subcomitês Científicos ativos

      3. Registros dos fóruns de consulta

      4. Balanços anuais da produção pesqueira

      5. Pescadores registrados e embarcações autorizadas

      6. Situação dos estoques pesqueiros publicamente disponíveis

    4. Lei da Pesca

      1. Objetivos de longo prazo para a gestão pesqueira

      2. Estoques pesqueiros em níveis saudáveis e estoques sobrepescados recuperados

      3. Gestão pesqueira com base científica

      4. Gestão da pesca numa abordagem ecosistêmica

      5. Órgãos responsáveis e processo de gestão da pesca

Os resultados mostram que a situação da gestão pesqueira é alarmante. De um total de 118 estoques pesqueiros avaliados, apenas 6% têm seu estado conhecido. Não é possível inferir se os demais 94% dos estoques estão saudáveis, sobrepescados ou em colapso. A maioria das pescarias que atuam sobre esses estoques são ordenadas por medidas desatualizadas e sem base científica, uma vez que não há coleta de dados nem monitoramento da atividade pesqueira.

Ferramentas de monitoramento essenciais, como os Mapas de Bordo, são exigidas para uma pequena parcela da frota pesqueira e os formulários ainda são preenchidos em papel em sua maioria. O monitoramento a bordo, fundamental para a coleta de dados biológicos e sobre as capturas incidentais, não está implementado para nenhuma pescaria – nem mesmo para aquelas com obrigação legal para tal.

Sem informações não é possível elaborar medidas adequadas. Para 69% das pescarias não existe obrigação legal para implementação de medidas de mitigação e redução de suas capturas incidentais, compostas majoritariamente por espécies ameaçadas de extinção.

Diversos fatores contribuem para o cenário atual. A estrutura legal e institucional é fraca para gerenciar as pescarias; os instrumentos existentes para evitar a sobrepesca e garantir a recuperação dos estoques não são previstos por lei. A Lei da Pesca vigente (Lei 11.959/2009) tem diversas lacunas sendo frágil na definição de instrumentos que de fato contribuam com a gestão sustentável dos estoques pesqueiros e sequer vincular a operacionalização desses pelos órgãos competentes. Soma-se a isso a perturbadora falta de transparência das informações e dos processos de tomada de decisão, agravada pela extinção em 2019 dos únicos fóruns consultivos dos quais participam a sociedade civil, governo e setor – os Comitês Permanentes de Gestão.

A conclusão deste trabalho mostrou que o modelo atual de gestão, depois de duas décadas de crises anunciadas, encontra-se atualmente falido. A transformação desta realidade exigirá uma estratégia nacional, com objetivos de longo prazo, mudanças sistêmicas e maior alocação de recursos para o órgão gestor. Nesse sentido, recomendamos uma série de ações para avaliar a situação dos estoques pesqueiros, evitar a sobrepesca, reduzir as capturas incidentais, reestabelecer o monitoramento da pesca, assegurar a transparência das informações e, fundamentalmente, atualizar a Lei da Pesca – lei 11.959/2009 – que rege a atividade no país.

Os resultados que encontramos

Estoques

Estoques com status conhecido

Dos 118 estoques avaliados:

  • 6% (7 estoques) com avaliações quantitativas nos últimos 5 anos
  • 94% (111 estoques) com situação desconhecida

Estoques sobrepescados

Dos 7 estoques com avaliações quantitativas nos últimos 5 anos:

  • 57% (4 estoques) estão sobrepescados
  • 43% (3 estoques) não estão sobrepescados

Estoques em sobrepesca

Dos 7 estoques com avaliações quantitativas nos últimos 5 anos:

  • 43% (3 estoques) estão em sobrepesca
  • 57% (4 estoques) não estão em sobrepesca

Estoques com limites de captura

Dos 118 estoques avaliados:

  • 3% (4 estoques) possuem um limite de captura anual
  • 97% (114 estoques) não possuem qualquer limite de captura

Estoques com plano de gestão

Dos 118 estoques avaliados:

  • 8,5% (10 estoques) possuem planos de gestão atualizados
  • 91,5% (108 estoques) não possuem nenhum plano de gestão

Pescarias

Medidas de ordenamento

  • 50% das pescarias estão sujeitas a medidas de ordenamento
  • 39% das pescarias estão parcialmente sujeitas a medidas de ordenamento
  • 11% das pescarias não estão sujeitas a nenhuma medida de ordenamento

Redução de capturas incidentais

  • 14% das pescarias estão obrigadas a implementar medidas de redução de capturas incidentais
  • 18% das pescarias estão parcialmente obrigadas a implementar medidas de redução de capturas incidentais
  • 75% das pescarias não têm nenhuma obrigação de implementar medidas de redução de capturas incidentais
  • 30% das pescarias não puderam ser avaliadas

Monitoramento de desembarque

  • 22% das pescarias são cobertas por programas de monitoramento de desembarque
  • 30% das pescarias são parcialmente cobertas por programas de monitoramento de desembarque
  • 48% das pescarias não são cobertas por programas de monitoramento de desembarque

Monitoramento a bordo

  • Nenhuma das pescarias no Brasil está coberta por monitoramento a bordo

Entrega de mapas de bordo

  • 26% das embarcações registradas têm obrigação legal de entregar mapas de bordo
  • 74% das embarcações registradas não têm obrigação de entregar mapas de bordo

Embarcações monitoradas por sistemas de rastreamento

  • 15% das embarcações registradas têm obrigação legal de aderir ao PREPS
  • 85% das embarcações registradas não têm obrigação de aderir ao PREPS

Transparência

Comitês Permanentes de Gestão ativos

  • nenhum dos CPGs encontra-se ativo

Subcomitês Científicos ativos

  • nenhum dos SCCs encontra-se ativo

Registros dos fóruns de consulta

  • Os registros e memórias das reuniões dos CPGs e SCCs não estão disponíveis

Balanços anuais da produção pesqueira

  • Nenhum balanço de produção anual encontra-se publicamente disponível

Pescadores registrados e embarcações autorizadas

  • Dados dos sistemas de registro de pescadores e embarcações não estão publicamente disponíveis

Situação dos estoques publicamente disponíveis

  • Nenhuma informação sobre a situação de nenhum estoque está publicamente disponível

Lei da Pesca

Objetivos de longo prazo para a gestão pesqueira

  • Indicador atendido

Estoques em níveis saudáveis e estoques sobrepescados recuperados

  • Indicador parcialmente atendido

Gestão pesqueira feita com base científica

  • Indicador parcialmente atendido

Gestão da pesca numa abordagem ecosistêmica

  • Indicador parcialmente atendido

Órgãos responsáveis e processo de gestão

  • Indicador parcialmente atendido