Aline Sousa da Silva, Catadora e presidente da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop/DF). Com 32 anos, ela é mãe de 7 filhos e faz graduação em Direito. Para ficar perto da avó e do pai, começou na catação ainda na infância, e seguiu como eles, catando papeis e outros materiais, em carroças. Hoje é uma das principais lideranças de catador@s do Brasil.
Como está a situação dos catadores e catadoras atualmente no Brasil?
Após a pandemia, num viés econômico, está muito difícil a manutenção dos negócios. A decisão do STF que derrubou a isenção de PIS e Confins para a venda de materiais recicláveis para a indústria está tirando nosso sono. Isso empobrece mais ainda os catadores porque essa despesa fiscal vai ser subtraída da nossa arrecadação. Além disso, a realidade do mercado hoje está muito mais desafiadora. Antes da pandemia, o quilo do papelão custava de 15 a 30 centavos. Muitas fábricas fecharam, a população passou a consumir muito delivery, aumentou demais a demanda, e ele chegou a ser vendido por 2 reais o quilo. Agora o preço do papelão despencou drasticamente. A gente nunca tinha visto isso antes e o valor agora tá entre 15 e 30 centavos – o mesmo de antes da pandemia. O problema é que o custo de vida, tudo, subiu muito em comparação ao que custava antes da pandemia. A Centcoop tem o propósito de agregar valor aos materiais e aumentar a renda do catador. Hoje a produção chega a 2 mil toneladas de material recuperado por mês pelas cooperativas. Chegamos a movimentar R$ 2 milhões por mês. Mas hoje temos uma queda de R$ 350 mil, devido à desvalorização. Se tudo tá mais caro, por que o material reciclável está tão desvalorizado?
E em relação às questões sociais e ambientais?
Também temos muitos desafios para enfrentar. Esse investimento nas plantas internacionais de recuperação energética, os ecoparques, que prometem resolver de maneira milagrosa os resíduos sólidos no Brasil, vai prejudicar a todos.
Eles consistem na queima do plástico, e têm alto impacto social, ambiental e econômico. E quanto mais se fomentar essas plantas, mas vai fomentar a produção do plástico, o que é totalmente contraditório.
O trabalho dos catadores vive sob a ameaça dessas plantas de recuperação energética que, devido ao comprometimento de vários ministérios, querem convencer prefeituras de que os municípios serão beneficiados e implementar em todo o Brasil. Mas a realidade mostra que essas plantas são tóxicas, elas descartam os catadores. Então, em nome de favorecer apenas um empresário, o governo modifica decretos, a legislação, tudo sendo feito já, para prejudicar mais de 1 milhão de catadores em todo o país. O que eles chamam de recuperação energética, em sua última fase, nada mais é que incineração, que só vai conseguir se manter através de recursos públicos. Estão querendo implementar em Brasília, mas em Barcelona essas plantas causaram acidentes drásticos, mesmo sendo a realidade europeia tão diferente da nossa. Aqui vai ser pior e quem vai pagar esta conta, somos nós.
Quais são os principais tipos de resíduos que chegam na cooperativa?
O plástico é o que tem o 2º maior volume nas cooperativas no Brasil. Mas não há ainda uma ação efetiva e séria para substituir o plástico apesar de que é possível substituir por outros materiais que não vão gerar danos à fauna, à flora, à gente. É justamente o plástico que nos traz este alerta sobre a grave questão do clima, sobre trazer tecnologias maldosas, como o tratamento térmico. Temos várias leis que proíbem a queima dos resíduos, mas sempre aparecem projetos assim. Nós temos 3 mil lixões abertos no país, então existe a necessidade da conscientização. Também é preciso entender que não é culpa do consumidor. O poder público, a sociedade civil e, principalmente, o setor privado têm responsabilidades nessa geração e destinação correta dos resíduos. Eles têm que trabalhar juntos para exigir que os geradores de médio e grande porte lidem com os resíduos que geram. Também é preciso ter uma comunicação direta e clara sobre a separação e destinação corretas, sobre como fazer a utilização secundária dos produtos. Hoje não tem punição para as empresas que não respeitam a política nacional de resíduos sólidos. Só tem lucro pra elas. Então, elas não se preocupam com as consequências dos seus lucros.
E quais são os principais tipos de plástico que se tornam rejeito, lixo plástico?
Hoje nas 11 cooperativas do complexo de reciclagem, 450 catadores processam 2.100 toneladas de resíduos por mês. Desse total, 40% é reciclável e 60% é rejeito, que não tem possibilidade de ser recuperado ou é orgânico. Mas, desse rejeito, 25% tem, sim, um potencial de reciclagem. O problema é que esses materiais não têm valor agregado, por exemplo, as pet de cor âmbar. Mas nós diminuímos esses 25%, fizemos intercâmbios com cooperativas, negociamos com indústrias, e estamos escoando essas pets, que o mercado não quer, de forma tímida, fazendo com que as indústrias aceitem uma quantidade menor dessas pets junto com a compra das outras pets. Estamos conseguindo mercado para rótulo boop [película de polipropileno], para embalagens de salgadinho, de macarrão. Mesmo não recebendo subsídio nenhum, a Centicope não envia rejeitos para o aterro. Temos essa preocupação.
Quais são os impactos da poluição por plástico para a saúde d@s catador@s e da população, de modo geral?
Tem um estudo da UnB (Universidade de Brasília) feito com catadores na época em que o lixão da Estrutural estava em atividade [no Distrito Federal] pela exposição insalubre dos sujeitos aos impactos dos resíduos como um todo, sem ser focado no plástico, que aponta que os catadores mais antigos chegam a perder 20 anos na expectativa de vida. Os danos do plástico, eles vêm desde os meios, os produtos utilizados na própria fabricação do plástico. E é um desafio lidar com ele após o consumo. Ao ser queimado, por exemplo, a fumaça inalada prejudica, gera câncer. Aterrado também causa sérios prejuízos à saúde de todo mundo.
Qual a importância do trabalho d@s catador@s para evitar a poluição dos rios e oceanos?
A gente tem que olhar pra isso como uma cadeia, que passa pelo consumidor, antes de chegar no catador. O ideal é que haja destinação correta, que haja correção do hábito humano, evitando que o material vá pra boca de bueiro e termine no oceano. É preciso investir na responsabilidade de devolver o material para a cadeira produtiva de valor, para que ele cumpra sua função na economia circular. Todo material reciclável tem que ter uma metodologia circular, principalmente o plástico, que causa tantos impactos não só da água, mas na vida marinha como um todo.
Além da reciclagem, o que mais precisa ser feito para diminuir a poluição por plástico?
A gente tem que evoluir para uma produção muito menos agressiva, para uma substituição do plástico por materiais que não prejudicam a saúde e o meio ambiente. E as empresas têm que garantir que os plásticos percorram o curso correto, o curso da economia circular. Esta é uma obrigatoriedade legal! Mas quantas empresas não fazem nem o seu dever de casa e enriquecem sem se preocupar com isso? Para amenizar os danos do plástico, e de outros resíduos também, é necessário ter um processo mais rigoroso em relação à rastreabilidade do plástico, desde a sua concepção. Assim será possível constatar que as empresas não assumem suas responsabilidades mais básicas.
Por isso, o projeto de lei que a Oceana defende é importante. As esferas de poder – Judiciário, Legislativo e Executivo – têm muita responsabilidade também para mudar essa realidade, mas estão muito individualistas, omissos.
Tem que se priorizar os seres vivos, a sociedade como um todo, e não uma meia dúzia de empresários que utilizam de seu poder para um enriquecimento ilícito que mata… são eles que alimentam esse sistema.