“O turismo pode estimular todo um movimento de mudança” - Oceana Brasil
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Janeiro 30, 2023

“O turismo pode estimular todo um movimento de mudança”

O TEMA: Plásticos

Foto: Acervo pessoal

 

Oito dos 10 destinos mais visitados por turistas internacionais no Brasil são costeiros; é importante que o setor adote medidas eficientes para reduzir a poluição por plástico 

Helena Costa, professora e pesquisadora que coordena o Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS) do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS-UnB) analisa o impacto da poluição marinha por plástico nos destinos costeiros do Brasil. Em seus estudos relacionando gestão e sustentabilidade, ela aponta que o turismo pode ser um forte aliado para ajudar a banir o uso de plásticos de uso único no país por meio da economia circular.  A avaliação de uma das 20 estudiosas em turismo mais influentes da América Latina, está alinhada com a campanha contra a poluição marinha por plástico da Oceana. O PL 2524/2022, que está em análise no Senado e propõe o estabelecimento de uma Política Nacional de Economia Circular do Plástico, promete atacar a principal causa do montante exorbitante desse resíduo: o excesso de produção de plásticos descartáveis no país.

Na sua pesquisa sobre turismo e poluição marinha por plástico, o setor turístico aparece com um duplo papel: o de poluidor e o de prejudicado pelas consequências desse acúmulo de resíduos. É possível fazer um painel geral de como esses dois vetores têm afetado o litoral brasileiro?

Realizada a convite do Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente] Brasil, a nossa pesquisa identificou que esse duplo papel do turismo se repete em muitas zonas costeiras do mundo. Temos muitos dados e pesquisas sobre essas perdas econômicas, especialmente no Mediterrâneo. Lá, os prejuízos são de centenas de bilhões de dólares. No Brasil, os dados são incompletos. Não sabemos o quanto o setor de turismo gera de poluição marinha por plástico. Sabemos um pouco mais sobre as praias que já estão poluídas, em que o plástico descartável se destaca, chegando a representar mais de 80% do lixo acumulado. Encontram-se itens como garrafas, embalagens, sacolas, tampas, canudos e copos, além de bitucas de cigarro (que também contêm plástico). Esses locais tendem a ter um uso intensivo por visitantes. Infelizmente, os dados econômicos são muito limitados.  Dos poucos que temos sobre o Brasil, há uma pesquisa muito interessante de Allan Krelling e seus parceiros pesquisadores. Eles calcularam, no litoral do Paraná, que uma praia muito poluída pode gerar perdas de quase 40% nas receitas do turismo. Este é um dado a ser levado em consideração por gestores de turismo, de resíduos e de meio ambiente em áreas costeiras. É preciso maior atenção ao tema, que é urgente e está piorando rapidamente.

Considerando os limites da reciclagem, como esse debate sobre a poluição de plástico no destino costeiro é conduzido no país?

Percebemos que a discussão ainda está no início e precisa de mais esforço. Muitas ações que encontramos são pontuais, não atacam o problema de maneira mais ampla. Era necessária uma mudança radical. Havia, no entanto, um entendimento sobre o problema que os canudos geram. Havia empresas que diminuíram a comercialização, e alguns governos detinham legislações desde 2018 que inibiam o uso. Mas pouco se fala sobre outros itens plásticos como sacolas, copos, talheres, embalagens de alimentos, garrafas de água e descartáveis, que vão parar no mar. Houve um aumento do consumo desses itens durante a pandemia.

É importante falar da necessidade de reduzir o consumo desses plásticos chamados de uso único – pois usamos rapidamente, por alguns segundos ou minutos, e eles ficam na natureza por centenas de anos. Para uma solução do problema, o caminho é pensar na economia circular do plástico, ou seja, em soluções baseadas em um consumo consciente, com descarte eficaz e uma garantia de retorno desses materiais para a cadeia de produção.

Quem são os principais protagonistas para avançarmos para uma solução à poluição marinha? E quais são as ações prioritárias a implementar?

O problema é complexo e exige muitos atores sociais envolvidos. Será fundamental que governos em diferentes níveis invistam em inovação, regulem e eduquem, que os negócios se reinventem e indivíduos mudem seus hábitos, para que o Brasil alcance um setor de turismo inovador, com atenção para a sustentabilidade e livres de vazamentos de plásticos para o ambiente. A própria indústria do plástico precisaria rever processos produtivos, insumos, descartes, etc. As universidades e outras instituições precisam realizar pesquisa aplicada para substituir um material que já não nos serve mais, e que gera tantas perdas socioambientais.

Como o turismo pode contribuir para que o plástico lançado no mar brasileiro diminua? Hoje estima-se que esta quantidade seja de 325 mil toneladas ao ano.

O turismo pode estimular todo um movimento de mudança. Por exemplo: como um hotel à beira-mar (digamos… no litoral da Bahia, em lugares como Arembepe e Praia do Forte, onde tartarugas fazem os seus ninhos) pode usar e descartar luvas plásticas, copinhos, canudos, sachês, sem saber onde vão parar? É preciso buscar soluções para que as empresas utilizem menos plásticos descartáveis e os turistas adquiram consciência sobre o problema durante as viagens que fazem. O turismo pode contribuir para a educação e a percepção do problema. O turismo pode ser um setor que experimenta inovações, que ousa retirar plásticos de várias atividades, como eventos, aviação, cruzeiros, hospedagem, alimentação. Não é um esforço fácil, mas é o caminho, especialmente, em destinos que dependem da zona costeira. E o Brasil como um todo depende muito do litoral para seu turismo.

Quais são os impactos econômicos causados pelo elevado consumo de plástico nas cidades litorâneas ?

Um dos aspectos que chamam atenção é o volume de dinheiro público gasto e, mesmo assim, o problema não é resolvido. Os municípios pagam caro pela limpeza da costa, com milhões de reais gastos durante um verão em praias movimentadas. Há casos no Brasil onde as praias são limpas até duas vezes por dia; mas, na manhã seguinte, estão cheias de detritos plásticos e seguem sendo praias percebidas como sujas pelo visitante.

Sabendo que a limpeza de praias não reverte o cenário de poluição marinha, quais são as recomendações para que uma redução efetiva do consumo de plástico seja implementada nesses destinos brasileiros?

A limpeza de praia pode ser um esforço infinito, pois é paliativo. Ou seja, não resolve a situação. Os mutirões podem ser educativos, servem para mobilizar e conhecer melhor a realidade, mas não resolvem o problema. Sabe-se que muito do lixo que se acumula no mar vem da terra, por conta de sistemas ruins de gestão de resíduo e do excesso de consumo. O lixo também vem com as marés, rios, ou seja… da terra, até encontrar o mar. E os próprios visitantes usam talheres, copos, sachês de condimentos, embalagens plásticas variadas na praia, e rapidamente elas voam e param no mar. Então, precisamos diminuir o consumo, lembrando que a produção de plástico tem crescido e deve seguir nessa tendência por vários anos, além de evitar que os resíduos vazem para a natureza. Somando isso tudo, encontramos a sujeira porque a raiz do problema não foi resolvida.

Destinos muito poluídos afastam turistas. O que os municípios têm feito para reduzir essa situação?

A praia suja e o mar poluído prejudicam a qualidade da experiência do turista. Imagine fazer um mergulho em um mar cheio de plástico flutuando? A experiência é ruim para quem visita e pode acabar com opções valiosas de esporte e lazer. Esses plásticos também matam golfinhos, tartarugas, baleias, e outros animais marinhos.

Existem boas práticas em Fernando de Noronha, que atacou o plástico descartável de frente, proibindo a entrada desses itens na ilha. Existem também esforços de pousadas, na Praia do Forte e em Boipeba, que decidiram cortar garrafas de água descartáveis e buscar alternativas que gerem menos plástico nas suas operações. Vimos também alguns gestores de atrativos mapearem os plásticos que usam e passarem a fazer escolhas mais conscientes. Vamos encontrando alguns exemplos pelo Brasil, apesar das limitações e dificuldades.

Existe um projeto de Lei da Economia Circular do Plástico no Senado, o PL 2524/2022, que propõe a redução da produção de plásticos descartáveis. Como política pública, essa pauta pode ser absorvida pelo turismo?

Sim, acredito que o turismo pode ser um setor mobilizador da mudança. Afinal, diferentemente de muitas indústrias, é diretamente afetado pelo excesso de poluição plástica, perdendo qualidade, opções e rendimentos. O turismo não se isola do seu entorno. Aliás, precisa do seu entorno saudável, bonito, limpo, includente, seguro, para que possa acontecer de uma maneira sustentável. Claro que ainda precisamos de maior clareza e liderança para que a mudança seja feita. Projetos pilotos inovadores e de impacto seriam muito bem-vindos em destinos turísticos costeiros do Brasil, um país que depende muito da atratividade do mar e das praias, e no qual 8 dos 10 destinos mais visitados por turistas internacionais são costeiros.

O que o turismo brasileiro pode aprender com outros países no sentido de diminuir a poluição causada por plástico?

Podemos, em primeiro lugar, entender que há um problema na nossa relação com o plástico descartável. Ele é barato, leve, prático, está disponível em todo canto, em todos os momentos de uma viagem. No aeroporto, no avião, na rodoviária, no hotel, na barraca de praia, na feirinha, etc. Mas, ou acúmulo na natureza cria um problema imenso a ser pago hoje e no futuro pelo meio ambiente, pelos animais e pelos humanos. Há países em que a cultura já percebe o plástico como um problema e pressiona por soluções. Observamos isso no contexto da União Europeia, que lidera o assunto. Existem muitas práticas diferentes mapeadas pelo Pnuma em todo o mundo. Elas vão desde a proibição do uso de alguns itens (sacolas, canudos, etc), passam pela taxação para encarecer o preço do plástico chamado virgem (ou seja, o que não é reciclado), e chegam a inovações tecnológicas para inventar outros materiais que não nos tragam os problemas do plástico. No Brasil, precisamos juntar essas frentes: estimular a diminuição da produção e do uso, melhorar sistemas de gestão dos resíduos, educar as pessoas para que percebam o problema e buscar alternativas mais circulares, ou seja, que possam ser inseridas novamente na economia, gerando menos descarte.