Por que subsidiamos a indústria pesqueira? - Oceana Brasil
Inicio / Blog / Por que subsidiamos a indústria pesqueira?

Fevereiro 17, 2023

Por que subsidiamos a indústria pesqueira?

O TEMA: 

Foto: Shutterstock

 

Subsídios são verbas ou outros benefícios, como impostos mais baixos, concedidos por governos a determinados setores da economia ou às indústrias. Os subsídios à pesca não são nenhuma novidade.

Do século XVII ao XIX, as marinhas, movidas à vela, das principais potências europeias – principalmente Inglaterra, França e Holanda – exigiam um grande número de experientes marinheiros para suas tão frequentes guerras. As indústrias pesqueiras da época treinavam e empregavam milhares de marinheiros e, portanto, esses países têm uma história bem documentada de subsídio às suas frotas pesqueiras1. O propósito era evitar que os marinheiros fossem dispensados durante os períodos de escassez de peixes e, assim, que as marinhas ficassem impossibilitadas de tripular seus navios de guerra.

Hoje, essa desculpa para subsidiar a pesca não faz mais sentido (se é que alguma vez ela fez). Importante lembrar que, atualmente, os subsídios são um dos principais motores da sobrepesca global. Isso pode ser facilmente explicado: a pesca reduz a abundância, e a sobrepesca, mais ainda. Em algum momento, a receita gerada pela pesca não cobre mais seus custos, e esse é um sinal claro de que as populações de peixes devem ser restabelecidas.

Os subsídios, no entanto, impedem a indústria pesqueira de ouvir a mensagem clara da natureza. Eles substituem a abundância que a natureza oferece; na verdade, eles dissociam as operações de pesca do estado das populações de peixes que estão sendo exploradas. Nos piores casos, a indústria pesqueira é paga para continuar operando mesmo quando não há peixes para capturar. Atualmente, os subsídios anuais à pesca marinha no mundo chegam a cerca de 35 bilhões de dólares, representando em torno de 30% do valor da primeira venda de todos os peixes capturados, e 22 bilhões desses subsídios são para “aumento da capacidade”2.

Foto: Oceana / Carlos Minguell

Por serem um dos principais impulsionadores da sobrepesca e por distorcerem o “funcionamento adequado dos mercados” (algo que existe, embora provavelmente seja raro), a oposição aos subsídios à pesca varia de economistas neoliberais à comunidade de conservação dos oceanos. Assim, a esperança de muitos grupos era de que as recentes negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) finalmente tomassem medidas para resolver esse problema3.

Há dez anos, eu estive na OMC, como parte do esforço da Oceana para convencer os delegados de vários países a ver os subsídios como eles são: um dreno em seus recursos financeiros, que leva à destruição de seus recursos pesqueiros. Mas nós fracassamos, principalmente, porque as objeções de alguns países que dão grandes subsídios à pesca de arrasto impediram o consenso necessário para se chegar a um acordo para a sua eliminação gradual. Dessa vez, foi alcançado um acordo, mas, infelizmente, um exame minucioso de seus termos sugere que esse desfecho é vazio e cheio de brechas.

Embora estejamos quase de volta à estaca zero, devemos continuar lutando contra os subsídios porque eles destroem a vida marinha, impulsionam a sobrepesca e aumentam a já elevada emissão de carbono da pesca industrial. Além disso, os subsídios exacerbam os problemas de equidade no setor pesqueiro porque são predominantemente alocados à pesca industrial e, na maioria das vezes, ignoram a pesca artesanal.

Se alguma pesca deve ser subsidiada, e precisa de ajuda é a artesanal – melhorando a qualidade e a comercialização de suas capturas, o que pode aumentar a renda dos pescadores sem qualquer pressão a mais da pesca.

 

*Dr. Daniel Pauly é o fundador e principal pesquisador do projeto Sea Around Us do Institute for the Oceans and Fisheries da Universidade de Columbia Britânica, além de ser membro do Conselho da Oceana.

 

1 Veja Janžekovič, I. (2020). The rise of state navies in the early seventeenth century: a historiographical study. Journal for Maritime Research, 22(1-2), 183-208; Poulsen, B. (2008). Dutch herring: an environmental history, c. 1600-1860 (Vol. 3). Amsterdam University Press.

2 Sumaila, U. R., N. Ebrahim, A. Schuhbauer, D. Skerritt, Y. Li, H. S. Kim, T. Mallory, V. W. Y. Lam e D. Pauly. 2019. Updated estimates and analysis of global fisheries subsidies. Marine Policy. 109; 103695.

3 Sumaila R., Skerritt D. J., Schuhbauer A., Villasante S., Cisneros-Montemayor A. M., et al. The WTO must ban harmful fisheries subsidies. Science. 2021; 374:544.