Por Ademilson Zamboni*
Quando o tema é poluição por plásticos, o Brasil se destaca por ser um relevante produtor e consumidor desse material, e por seguir profundamente emaranhado nesse problema. Com uma produção anual de 500 bilhões de itens descartáveis de plástico e ínfimas taxas de reciclagem, o país ainda insiste em políticas públicas ineficientes que basicamente transferem a responsabilidade, tanto dos impactos como da mitigação, para consumidores e municípios.
Com esse posicionamento, até aqui, na pauta da poluição por plástico, o Brasil não passa nem perto do protagonismo que conquistou tempos atrás em importantes lutas globais. Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15) em Copenhague, em 2009, por exemplo, fomos bastante ousados ao estabelecer metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa. Também ganhamos reconhecimento internacional pelos esforços empenhados para reduzir o desmatamento na Amazônia. No entanto, o posicionamento retrógrado e destrutivo na arena ambiental dos últimos quatro anos transformou um líder em pária.
Com 10.900 quilômetros de costa e despejando pelo menos 325 mil toneladas de plásticos no oceano todos os anos, o Brasil não pode mais fugir de sua responsabilidade. Resolver esse tipo de poluição vai muito além de delegar a correta separação do lixo ao consumidor, promover limpezas de praia ou propagar o consumo consciente. É preciso um compromisso alinhado com o tamanho do problema e da relevância do nosso país.
Diante da crise ambiental, social e econômica que essa questão tomou, em março de 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que pretende consolidar, até o final de 2024, um Tratado Global Contra a Poluição Plástica. Com um prazo bastante ambicioso, a intenção é que ele seja juridicamente vinculante, ou seja, ratificado pelos países com força de lei.
Após o início dos debates, no Uruguai, em novembro passado, a segunda reunião do Comitê de Negociação Intergovernamental (INC) ocorreu em Paris, entre 29 de maio e 2 de junho e contou com a presença de 167 Estados-Membros da ONU e mais de 900 representantes de organizações da sociedade civil. O principal resultado do encontro foi a definição de um mandato para a elaboração de um “rascunho zero” do Tratado que dará início às negociações no próximo encontro, em novembro de 2023, em Nairóbi, no Quênia. Também foram avaliadas as obrigações de cada país e os meios para a implementação delas, como a eliminação de plásticos de uso único problemáticos, metas de reuso, mecanismos de monitoramento e financiamento.
A reunião em Paris já revelou a queda de braço no jogo internacional que vem por aí. Países como China, Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos apresentaram resistência a dispositivos mais restritivos, como a eliminação de itens de plástico desnecessários e problemáticos. Grandes produtores de petróleo, esses países apostam no aumento da produção de plásticos diante da diminuição da demanda por petróleo, gás e carvão e maior foco na transição energética.
Por outro lado, a High Ambition Coalition, coalizão formada por mais de 50 países, demanda o fim da poluição plástica até 2040 com disposições obrigatórias para restringir plásticos desnecessários, evitáveis ou problemáticos, além de investimento na Economia Circular. Apesar de hábil negociador e com longa tradição no campo diplomático, o papel que o Brasil vai ter na questão ainda não está claro.
Sem integrar essa coalizão, o Brasil sequer faz parte da lista de mais de 100 países que implementaram legislações restritivas a pelo menos um item de plástico descartável. Essa é a realidade de Quênia, Chile, Índia e Canadá, dentre tantos outros do Norte e Sul globais. Chegamos atrasados para a discussão e, se pretendemos ter algo a dizer, precisamos reverter a situação doméstica com celeridade.
É preciso considerar que a pressão e a expectativa para o enfrentamento dessa crise socioambiental e econômica têm aumentado no cenário internacional e encontram respaldo também na população brasileira. Uma pesquisa de opinião, desenvolvida pela Oceana em parceria com o IPEC e divulgada em 2022, apontou que 68% dos brasileiros atribuíam ao Congresso Nacional a responsabilidade de adotar medidas em prol da proteção dos oceanos e contra a poluição causada pelo plástico.
O Projeto de Lei (PL) 2524/2022, que já tramita no Senado Federal propõe um marco regulatório para a Economia Circular do Plástico, pode ser a nossa credencial na discussão de um Tratado desse porte. Esse PL foge da dicotomia difundida há décadas de que não é possível adaptar a produção no Brasil, porque reduzir a oferta dos produtos plásticos mais problemáticos para a poluição, como os descartáveis, destruiria economicamente o setor.
Ao contrário, segundo dados da Fundação Ellen MacArthur, a transição para uma Economia Circular poderia reduzir em até 80% o volume global anual de plástico que vai para os oceanos até 2040, poderia gerar uma economia de US$ 200 bilhões por ano e, ainda, criar 700 mil empregos adicionais.
O Projeto de Lei 2524/2022 oferece uma singular oportunidade de negócios verdes para o país, impulsionando inovação, tecnologia e sustentabilidade, além de remunerar o trabalho dos catadores e das catadoras de materiais recicláveis ao mesmo tempo em que reduz custos com o gerenciamento de resíduos. A proposta dialoga com os esforços do Ministério da Fazenda e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio para a reindustrialização do país com base em princípios de sustentabilidade e Economia Circular.
A construção do Tratado Global Contra a Poluição Plástica é, portanto, um convite para que os países reduzam a produção de itens plásticos desnecessários e descartáveis e caminhem em direção a soluções concretas. E como em qualquer convite, chegar atrasado é falta de educação, isso precisa ser feito antes de chegarmos a um ponto de não retorno.
Caberá ao Brasil, que atualmente está sob os holofotes internacionais, escolher o lugar que quer ocupar na história. Esperamos que nosso país se posicione de forma ambiciosa, faça a lição de casa e não espere a conclusão de um Tratado para só então avançar com políticas públicas que ataquem o problema na raiz.
- Ademilson Zamboni é oceanólogo e diretor-geral da Oceana Brasil
Artigo publicado na edição impressa do jornal Valor Econômico