Diretor de Novas Economias do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Lucas Ramalho, destaca a urgência em avançar com uma Economia Circular do Plástico no país
Ao longo de sua trajetória no poder público, Lucas Ramalho participou da recriação do Ministério da Indústria e da criação da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, onde exerce o cargo de Diretor de Novas Economias no atual governo. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental com mais de 15 anos de experiência, Ramalho também faz parte do programa de lideranças em mudanças climáticas do Climate Reality Project [que em tradução livre seria Projeto de Realidade Climática], organização global que busca tecer soluções para conter a crise climática e seus impactos. Nesta edição da Oceana Entrevista, o especialista traz um panorama sobre os planos e ações do governo para uma transição industrial que une o desenvolvimento econômico à proteção do meio ambiente por meio da Economia Circular, e como o Projeto de Lei (PL) 2524/2022 pode ser uma ferramenta eficaz nesse processo de mudança.
Como conciliar a neoindustrialização e os desafios ambientais, entre os quais se destaca a poluição por plástico, e a manutenção, ampliação e qualificação de postos de trabalho e geração de novos e melhores empreendimentos, mais alinhados com as perspectivas de uma economia menos linear?
É preciso, antes de mais nada, compreender que desenvolvimento e sustentabilidade não são grandezas que se opõem. O modelo de desenvolvimento até então vigente partia de uma lógica linear do tipo “extrair, produzir, descartar”, em que os recursos naturais são extraídos do solo, os produtos são fabricados e depois descartados em aterros sanitários, incinerados ou despejados diretamente na natureza. Essa lógica se revelou, ao longo das décadas, como um modelo insustentável, sendo a causa da emergência climática que hoje o mundo enfrenta, bem como da intensa desigualdade social e suas consequências deletérias. Portanto, a mudança de paradigma de desenvolvimento não é mais uma opção, é uma imposição para a própria manutenção da nossa sobrevivência neste planeta.
A neoindustrialização se propõe a ser um modelo de desenvolvimento alinhado ao mundo de hoje e suas urgências, atuando como um propulsor da indústria e da economia de modo a garantir também o bem-estar ambiental, a inclusão social e a regeneração dos ecossistemas. A lógica aqui passa a ser circular, segundo a qual os recursos são utilizados de forma mais eficiente, minimizando o desperdício e maximizando a reutilização e a reciclagem. A poluição do plástico se insere nesse contexto, e será enfrentada a partir dessa perspectiva da economia circular que visa reduzir a produção de resíduos e melhor encaminhar os resíduos produzidos, preservando o meio ambiente dos efeitos nefastos da poluição.
Para que a neoindustrialização se firme e bem se suceda, é necessária a construção de uma arquitetura que reúna melhorias regulatórias, investimento em pesquisa e inovação, financiamento, promoção de educação e capacitação, fomento à colaboração entre diferentes setores da economia, articulação interfederativa, garantia de acesso a financiamentos e criação de mecanismos de monitoramento e avaliação.
Vale dizer que a Política de Neoindustrialização no Brasil envolve investimentos significativos (R$ 106,16 bilhões em quatro anos) para fomentar uma nova revolução industrial. A política abrange diversas áreas, incluindo infraestrutura, saúde, educação, sustentabilidade, transição energética e descarbonização, sendo uma estratégia holística e intersetorial. A partir dos investimentos em educação e capacitação, mais atores sociais serão formados e se habilitarão a desenvolver suas atividades profissionais em consonância com os objetivos da neoindustrialização, fomentando a criação de novos postos de empregos verdes e qualificando os já existentes. O setor produtivo nacional irá se adequar aos novos ditames de desenvolvimento a partir de uma moldura regulatória que os impulsione na trilha da sustentabilidade, com fomentos e financiamentos que visem ao incentivo de práticas sustentáveis e desestímulo à produção de bens e serviços sem circularidade.
É interessante ainda destacar que, diferentemente da maioria dos países, o Plano de Transformação Ecológica no Brasil, integrado ao Plano de Aceleração do Crescimento, foi lançado pelo Ministério da Fazenda, o que demonstra a prioridade que a pauta da sustentabilidade tem no orçamento do país. No Brasil, a sustentabilidade está inserida no centro do planejamento financeiro, atuando como um verdadeiro farol que vai conduzir todo o investimento de modo transversal.
Na sua visão, qual a importância de o Brasil adotar medidas da Economia Circular do Plástico, abrangendo a revisão de itens desnecessários que geram resíduos e não têm características adequadas à circularidade?
Os dados referentes à poluição plástica são alarmantes. Cerca de 8 bilhões de quilos de plásticos são despejados nos oceanos a cada ano pelas regiões costeiras; 40% do plástico produzido em todo o mundo são usados para embalagens, utilizados apenas uma vez e depois descartados; para a produção do plástico são consumidos petróleo ou gás natural (ambos recursos naturais não renováveis), água e energia, liberados efluentes (rejeitos líquidos) e emitidos gases tóxicos e de efeito estufa. Então, a implementação de uma Economia Circular do Plástico é de uma urgência inquestionável.
De outro lado, não se pode desconsiderar a importância do segmento industrial do plástico para a economia do país, o qual gerou, em 2022, um faturamento de R$ 117,5 bilhões, sendo o 4º maior empregador da indústria de transformação brasileira.
Portanto, o nosso objetivo, assim como tem sido o objetivo traçado pela União Europeia, não é, neste momento, o banimento absoluto do plástico, mas a eliminação da poluição por ele gerada, de modo a manter a pungência econômica do setor sem com isso devastar o meio ambiente. Para tanto, a estratégia de economia circular é uma forte aliada, já que ela pressupõe a reformulação do design e o uso de tecnologias que possibilitem o reuso, a remanufatura e os demais R’s da circularidade nos produtos derivados do plástico, evitando a poluição do meio ambiente com seus resíduos.
A Economia Circular do Plástico, sendo ela um subgrupo da economia circular geral, compõe um dos seis eixos do Plano de Transformação Ecológica, uma das agendas mais relevantes do governo federal. Os desafios dessa agenda residem nos mesmos pontos atinentes à agenda da economia circular geral: melhoria regulatória, investimento em pesquisa e inovação, financiamento, promoção de educação e capacitação, fomento à colaboração entre diferentes setores da economia, articulação interfederativa, garantia de acesso a financiamentos e criação de mecanismos de monitoramento e avaliação.
No caso específico do plástico, pode-se adicionar a esse conjunto, o desafio de promover o avanço dessa agenda tão urgente ao mesmo tempo em que se mantém os benefícios oriundos da indústria do plástico em termos de empregabilidade e geração de riquezas para o país. Então, essa equação precisa ser levada em conta para evitar efeitos colaterais indesejáveis na implementação das políticas públicas.
Ainda em 2021, uma pesquisa de opinião desenvolvida pelo Ipec apontou que 68% dos brasileiros creditam ao Congresso a responsabilidade de resolver o problema da poluição plástica. Hoje, o Projeto de Lei 2524/2022, que propõe o estabelecimento de medidas de Economia Circular do Plástico para nosso país, tramita no Senado. Qual a sua visão sobre as perspectivas que esse Projeto oferece?
A Secretaria de Economia Verde/MDIC se manifestou favoravelmente, mas com ressalvas, ao PL 2524/22, reconhecendo a sua relevância para a regulação da produção de plástico no país em consonância com o modelo de neoindustrialização. Algumas melhorias ao PL foram por nós propostas, como a sugestão de uma melhor análise dos prazos e metas para possibilitar que o setor industrial consiga se acomodar nesse novo lugar trazido pela norma, sem que isso implique em efeitos indesejáveis para a economia e para a sociedade.
É importante pensar nesse aspecto da empregabilidade do setor, especialmente nesse momento pós-pandemia em que parcela da sociedade brasileira ainda se encontra fora do mercado de trabalho e vivendo em um estado de insegurança alimentar. Ainda, foi destacada pela Secretaria a necessidade de investimento em novas tecnologias que sejam sustentáveis e permitam a substituição por bioprodutos, criando ou preservando empregos de modo a reduzir os impactos negativos à economia.
A ideia, portanto, é eliminar a poluição por plástico de modo que seja sustentável, também, para a economia do país e para a empregabilidade do setor. E entendemos que o PL 2524/22, com as devidas ponderações mencionadas, representa um avanço regulatório para a agenda da circularidade.
Enquanto sociedade, entendemos que o problema da poluição plástica não vai ser resolvido sozinho, sem a promoção de um ambiente de diálogo e propostas para que isso aconteça. Quais são as estratégias-chave que o MDIC está adotando ou pretende promover para que a indústria de plástico de fato adote práticas menos danosas à coletividade?
O MDIC, e em especial a Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria (SEV), tem sido um ator importante na condução de diálogos com os diversos setores da sociedade envolvidos nessa agenda. A SEV possui mandato institucional para se posicionar junto à indústria, promovendo a mudança do modelo atual, incentivando a inovação produtiva de acordo com a lógica circular. Para tanto, o Departamento de Novas Economias tem realizado reuniões constantes com o setor da indústria do plástico, com organizações como a Fundação Ellen McArthur, o Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente], com Cooperativas de Catadores e com outros órgãos públicos.
Precisamos compreender as demandas e preocupações de todos os stakeholders envolvidos para construirmos políticas públicas bem engendradas e efetivas. Estamos também desenvolvendo conjuntamente com os ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda, a Estratégia Nacional de Economia Circular, um plano abrangente que visa a transformar o modelo de desenvolvimento econômico de um país para um sistema mais eficiente e sustentável. Essa estratégia envolve ações como redução de resíduos, reutilização de recursos e reciclagem de materiais. Seu objetivo principal é alcançar o desenvolvimento sustentável e a prosperidade, mitigando o impacto ambiental.
Além disso, a SEV pretende lançar o programa Brasil Mais Sustentável, que objetiva promover a adoção de práticas circulares pelas empresas com foco em eficiência energética e economia circular e que se baseia na extensão industrial, com a utilização de empresas âncoras que impulsionarão a circularidade na sua cadeia produtiva.
As catadoras e catadores de materiais recicláveis prestam um serviço ambiental e de saúde à nossa sociedade. Na sua visão, quais são os mecanismos e o papel do poder público em promover o reconhecimento e a remuneração adequada a esses trabalhadores?
Os catadores e as catadoras possuem um papel estratégico na promoção de um modelo neoindustrial de desenvolvimento, já que sua atividade contribui para o aumento da vida útil dos aterros sanitários e para a diminuição da demanda por recursos naturais, na medida em que abastece as indústrias recicladoras para a reinserção dos resíduos em suas ou em outras cadeias produtivas, em substituição ao uso de matérias-primas virgem.
O presidente Lula, por meio do Decreto 11.414/2023, instituiu o Programa Diogo de Sant’Ana Pró-Catadoras e Pró-Catadores para a Reciclagem Popular e o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis, cujo rol de objetivos constantes do art. 3º direciona-se à promoção, capacitação, fomento e inclusão socioeconômica dos catadores. Paralelamente a isso, nos manifestamos favoravelmente à desoneração de tributos que incidem sobre a atividade de catadoras e catadores de materiais recicláveis, de modo a incluí-los como segurado especial da Previdência Social, reservando aos catadores de materiais recicláveis organizados em cooperativas e similares o mesmo tratamento tributário dos catadores que contribuem por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado.
Ainda, fomos favoráveis à isenção da contribuição para o PIS/Pasep [Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público] e para a Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social] na venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o art. 47 da Lei 11.196/2005, feito pelas cooperativas de catadores para pessoas jurídicas que apurem o imposto de renda com base no lucro real, e à autorização, por meio de convênio Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], do diferimento do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] nas operações com materiais recicláveis por cooperativas e associações de catadores, nas operações interestaduais, nas operações internas destinadas a contribuinte optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional e demais operações.
Estamos também confeccionando documento para ser enviado à Receita Federal propondo a alteração da Instrução Normativa 2.121, para que as cooperativas de reciclagem sejam incluídas entre as demais cooperativas que se beneficiam com a exclusão da base de cálculo de PIS e Cofins. Estamos pleiteando, ainda, a inclusão de alguns códigos NCM [Nomenclatura Comum do Mercosul] no rol de alíquota zero de IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] para desonerar a cadeia de reciclagem da carga tributária à qual se encontra submetida atualmente.
Finalmente, somos absolutamente favoráveis ao enquadramento do serviço prestado por catadores e catadoras como serviço ambiental, melhorando a remuneração e condição de vida desse segmento tão estratégico para o desenvolvimento do país.