Maio 26, 2025
A lista é nova, já os problemas…
Por: Oceana
O TEMA: Recuperar os estoques pesqueiros
*Por Ademilson Zamboni
Em recente reunião do Conselho Nacional da Pesca e Aquicultura (Conape), realizada em 17 de abril, foi apresentada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) a proposta de atualização da lista das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção, que virá substituir aquela estabelecida em 2014 por meio da Portaria MMA 445/2014. No entanto, passada mais de uma década, os resultados obtidos com a conservação das espécies aquáticas de interesse da pesca listadas na Portaria 445 são desanimadores, o que nos leva a questionar qual será o papel de uma nova lista.
Na proposta apresentada agora, em resumo, estarão listadas como ameaçadas de extinção nada menos que 1.545 espécies, das quais 122 são peixes marinhos. Segundo nossas estimativas, aproximadamente 80 deles são de interesse da pesca artesanal e industrial brasileira – ou seja, são recursos pesqueiros.
Reafirmar que existem muitos recursos pesqueiros ameaçados de extinção é, como diria Cazuza, “um museu de grandes novidades”: um recurso frasista que mais distrai do que revela. O que o MMA demonstra com essa atualização é, na verdade, um fracasso de nossas políticas, que não foram capazes de, após onze anos, avançar em absolutamente nada na conservação de muitos recursos pesqueiros. Ao contrário, parece ter regredido.
Entre as espécies listadas anteriormente, somente duas (e de pouca expressão econômica) saíram da classificação de ameaçadas: o agulhão-branco (Kajikia álbida) e o peixe-pedra (Scorpaenodes insularis). Por outro lado, seis outras espécies que não constavam na relação de 2014 serão, a partir de agora, consideradas fauna ameaçada de extinção. Entre elas estão a corvina (Micropogonias furnieri) e o peixe-porco/peroá (Balistes capriscus), ambos de enorme importância para a pesca artesanal e industrial – e, por esta razão, certamente serão pivôs de novas crises entre o setor pesqueiro e o governo.
Daqueles 74 recursos pesqueiros considerados ameaçados em 2014, 63 seguem na mesma categoria, ao passo que outros 10 estão hoje em estado de conservação pior do que em 2014, como o pargo (Lutjanus purpureus) e o sirigado (Mycteroperca bonaci).
Os fatos falam por si: somente listar recursos pesqueiros como ameaçados de extinção não está resolvendo. Afinal, se resolvesse algo, já haveríamos de ter dezenas de espécies recuperadas, o que não está ocorrendo. No entanto, se por um lado as listas são passíveis de conflitos e críticas quanto à sua efetividade, por outro lado, é um erro atribuir à política ambiental brasileira as mazelas que acometem a pesca no país.
Percebam: numa lista de 1.545 espécies ameaçadas, 95% delas não são recursos pesqueiros. São, em sua vasta maioria, animais como tamanduás, ararinhas-azuis, micos-leão-dourado e outras espécies que nada têm a ver com a pesca, e que precisam, sim, de muita proteção, o que faz com que a política de biodiversidade seja mesmo uma tábua de salvação.
A questão está, portanto, nos restantes 5% da lista, que constituem recursos pesqueiros.
Desse modo, é preciso reconhecer que a raiz desse problema está muito mais na fraqueza da atual política pesqueira do que na força da política ambiental, que está fazendo o papel que lhe cabe.
Notem que outorgar a conservação e a gestão dos recursos pesqueiros à política ambiental não vai resolver os problemas. Mas temos todas as evidências de que, com a política de pesca que aí está, esses desafios jamais serão resolvidos, até porque contra ela existem muitos argumentos.
Listas como a apresentada pelo MMA repercutem junto ao setor pesqueiro porque a política da pesca é repleta de lacunas e vulnerabilidades. Só ganham força porque as nossas pescarias, em sua maioria, seguem sem dados, monitoramento, ordenamento e controle; porque nossos estoques seguem sem avaliações científicas; e porque a pesca ilegal é generalizada e aceita por muitos. Esse é o conjunto de elementos que corrói e desmoraliza a pesca no Brasil, e retrata, sobretudo, a fragilidade do que deveria ser uma política de Estado.
Em 2024, o senador Alessandro Vieira protocolou o Projeto de Lei nº 4.789/2024, que visa, sobretudo, aprimorar e fortalecer a política pesqueira. Projetos como este precisam de amplo apoio para que a pesca tenha um futuro próspero, baseado em práticas responsáveis e na captura de estoques saudáveis. Com uma política pesqueira sólida e fundamentada, superaríamos a necessidade de listar espécies como ameaçadas de extinção, pois estaríamos tratando de avaliar estoques e de implementar planos eficientes de gestão da pesca.
Que os esforços do Poder Público estejam concentrados na aprovação dessa nova Lei para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca, que tem o apoio da pesca artesanal e industrial, da Oceana e de diversos outros atores relevantes da nossa sociedade. Este, sim, é o caminho efetivo para uma mudança estruturante da atividade pesqueira no Brasil.
*Ademilson Zamboni é diretor-geral da Oceana e oceanólogo. Publicado originalmente no portal da Revista Seafood.