Brasil precisa liderar transição justa e eliminar plásticos descartáveis, defendem especialistas - Oceana Brasil
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Abril 29, 2025

Brasil precisa liderar transição justa e eliminar plásticos descartáveis, defendem especialistas

Por: Oceana

O TEMA: Plásticos

Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado Federal debate Tratado Global Contra a Poluição Plástica. Foto: Oceana/Luis Reis

 

Em audiência no Senado, pesquisadores e representantes da sociedade civil cobraram uma posição mais ambiciosa do país no Tratado Global Contra a Poluição Plástica

O Brasil é o oitavo maior poluidor plástico do planeta e ainda não tem uma lei que limite a produção de plásticos problemáticos. Enquanto 141 países ao redor do planeta já adotaram leis com algum nível de restrição aos itens descartáveis, nosso país ainda deixa a desejar sem nenhum tipo de legislação nesse sentido. Diante de um problema complexo e com implicações ambientais, de saúde pública e sociais, é imprescindível que o Poder Público lidere o caminho  para uma transição justa – com a aprovação de leis eficazes para eliminar os plásticos descartáveis problemáticos e desnecessários, que considerem toda cadeia de produção, e  também leve uma posição mais ambiciosa do país às negociações do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, sendo construído no âmbito da ONU.  Esses foram os principais alertas feitos por especialistas durante audiência pública realizada no último dia 24, na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado Federal.

“O mundo já reconheceu que os plásticos descartáveis de uso único são os grandes vilões do impacto ambiental. Isso é um fato”, alertou Adalberto Maluf, secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Segundo ele, o Brasil precisa urgentemente acompanhar o movimento internacional de enfrentamento à poluição plástica, conciliando interesses econômicos, sociais e ambientais. “A gente vai ter que pensar numa transição justa, como foi feito com o carvão. Preservar empregos é importante, mas é preciso redirecionar investimentos para o futuro da indústria, com inovação, logística reversa e fechamento de fronteiras para o plástico de baixa qualidade que prejudica a produção nacional”, completou.

Para a diretora da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, o debate não pode ser refém de interesses econômicos imediatistas. “Há sempre uma disputa entre o lucro de curto prazo e uma visão de desenvolvimento sustentável. Não podemos ter medo de um Tratado ambicioso porque ele afeta o setor X ou Y. A economia não vai colapsar se restringir certos setores, incentivando outros”, afirmou.

Ela defendeu que o país já precisou enfrentar situações semelhantes no passado e teve papel de liderança, como ocorreu no tratado internacional de combate ao tabagismo. “A crise do plástico é uma crise de saúde pública. Não se trata de comportamento individual, mas de transformar o ambiente para que ele favoreça escolhas sustentáveis”, acrescentou.

 Especialistas cobram ação imediata

Com longa tradição diplomática e reconhecido como uma potência ambiental global, o Brasil ainda se mantém inerte em relação ao enfrentamento à crise da poluição plástica, o que não favorece o seu posicionamento frente aos demais países que participam da construção do Tratado Global. “É obrigação do Estado uma regulação, para que a população brasileira possa fazer escolhas saudáveis”, defendeu Paula Johns.

Diante da grande importância dos recursos naturais para nossa economia e do caráter danoso da poluição plástica à nossa biodiversidade, o professor Ítalo Braga de Castro, pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende que o Brasil se atente a esses riscos, que não são meramente socioambientais, mas especialmente econômicos.  “Não podemos esperar pelo Tratado Global para resolver o problema da poluição por plásticos internamente. Primeiro, porque não se sabe como ele acontecerá; segundo, porque nós somos um dos 17 países megadiversos do planeta. Então, nós temos um interesse maior do que o dos demais países. Por isso, devemos nos antecipar, a exemplo do que já é feito na Europa”, acrescentou Castro.

Além de estar entre os dez maiores poluidores do mundo, o Brasil também é o maior produtor de plástico da América Latina. São produzidos em solo brasileiro cerca de sete milhões de toneladas de plástico por ano. Desses, três milhões de toneladas são de plástico de uso único, como embalagens e produtos descartáveis. Esse total equivale a, aproximadamente, 500 bilhões de itens por ano, ou 15 mil itens por segundo. O Brasil despeja a cada ano 1,3 milhão de toneladas de lixo plástico nos oceanos.

“Enquanto a gente continuar focando no gerenciamento de resíduos – que é uma parte importante desse processo, mas não pode ser a única – a gente vai seguir perpetuando esse problema. É preciso investir e estruturar melhor as políticas públicas dentro do Brasil para atuar na raiz desse problema, que é a produção de plásticos”, destacou Lara Iwanicki, gerente sênior de advocacy e estratégia da Oceana.

Custo alto, não considerado

Além dos impactos na saúde e no meio ambiente, os resíduos plásticos geram prejuízos econômicos. De acordo com Iwanicki, a poluição por plásticos tem um custo de R$ 9,5 trilhões por ano, que acaba recaindo sobre os consumidores: “A gente precisa colocar nessa equação o custo da externalidade negativa que não é paga pelo setor que coloca embalagem não reciclável no mercado, e que não arca com o custo do gerenciamento de resíduos, da coleta e do design, inclusive. Esse custo anual de quase R$ 10 trilhões é pago por quem está na ponta”, explicou a engenheira ambiental.

A externalidade negativa é quando uma atividade gera prejuízos para terceiros que não estão envolvidos diretamente nela. No caso da indústria do plástico, esse custo é arcado majoritariamente pela sociedade, e não pelas empresas que colocam no mercado produtos de uso único e embalagens não recicláveis.

Esse problema se reflete, inclusive, em biomas como o Pantanal e afeta estados com forte vocação turística e pesqueira. Quanto a isso, o pesquisador Ítalo Braga ressaltou que a biodiversidade brasileira — um ativo que aporta pelo menos R$ 2 trilhões por ano à economia — está diretamente ameaçada pela poluição por plásticos.

“A discussão não é altruísta. É uma questão de sobrevivência. E o mais grave nem sempre é o mais visível. O microplástico, que não gera comoção, é muito mais lesivo do que as ilhas de lixo, que chocam à primeira vista”, explicou. Ele também lembrou que a reciclagem é uma ferramenta importante, mas, por si só, não resolve o problema. “A ciência já pacificou que reciclagem não é bala de prata. Precisamos reduzir plásticos evitáveis e problemáticos, melhorar o design dos produtos e eliminar substâncias químicas perigosas”, apontou.

A preocupação com a perda de emprego e as consequências para setores da economia, como a indústria, que a eliminação de produtos plásticos poderia causar também foram debatidas na Audiência Pública. Os especialistas reforçaram a importância de garantir uma transição justa para trabalhadores da cadeia do plástico, especialmente em estados como Santa Catarina, com forte presença industrial. “O desafio é manter empregos e, ao mesmo tempo, alinhar o país à liderança ambiental que o mundo espera do Brasil”, disse o secretário Adalberto Maluf.

Frente a isso, a Oceana, em parceria com a WWF Brasil e a Systemiq, realizou um estudo que mostra que o banimento de certos itens descartáveis não deverá causar impactos significativos, uma vez que o setor já enfrenta um declínio.

De acordo com o estudo, que analisa as oportunidades na transição para um Brasil sem plásticos de uso único, na ausência de produtos descartáveis, a demanda deve ser deslocada para materiais alternativos, como vidro, alumínio, papel ou compostáveis. Ademais, substituir os insumos poluidores por alternativas mais sustentáveis também pode trazer ganhos econômicos.

“Esse estudo revela que o aumento da demanda por materiais alternativos e produtos substitutos pode incrementar o valor econômico desse mercado em até 53%. O valor potencial de mercado para os produtos substitutos alcança R$ 17,3 bilhões, o que representa um aumento líquido de R$ 6 bilhões. Além disso, a realocação da demanda de produtos plásticos para um cenário alternativo pode adicionar R$ 403,3 milhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, explica Iwanicki..

Urgência global para uma crise mundial

Os especialistas que participaram da Audiência Pública no Senado reforçaram a importância de o Tratado Global Contra a Poluição Plástica trazer medidas eficazes para reduzir o problema que se tornou uma crise mundial.

“Esse Tratado precisa trazer medidas de redução e de eliminação de produtos plásticos problemáticos, de produtos químicos que são comprovadamente nocivos para a saúde. A gente também precisa entender o ciclo de vida do produto plástico, que começa na exploração do petróleo. Não podemos nos esquecer que plástico é petróleo, emite gás carbônico e impacta toda a sua cadeia produtiva”, pontuou Iwanicki.

Os pesquisadores defendem que o Tratado seja juridicamente vinculante, com metas de redução quantificáveis com prazo, com setores específicos, com listas específicas. “O país tem legitimidade para estar à frente desse debate. Já fomos pioneiros com a Rio 92 e agora podemos contribuir com um tratado internacional robusto sobre plásticos”, defendeu Maluf.

Compromisso importante

Logo no início do debate, o senador Esperidião Amin reforçou que avançar com soluções para a crise mundial de plástico é necessário e urgente. Durante a Audiência Pública, ele já solicitou à Maria Angélica Ikeda, representante do Ministério das Relações Exteriores, que o Itamaraty organize todas as contribuições feitas pela sociedade e que elas sejam apresentadas em uma nova reunião, no Senado, após a próxima rodada de negociação do Tratado Global, que será realizada em Genebra, na Suíça, em agosto.