Bacharel em Comunicação e pós-graduado em Ciência Política e Gestão de Sustentabilidade, há uma década Vitor Pinheiro está mergulhado em trabalhos relacionados a causas ambientais. Atualmente, coordena a campanha Mares Limpos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Na 7a edição da série “Oceana Entrevista”, ele reflete sobre a gravidade do problema do plástico nos oceanos, ações da Mares Limpos, a parceria com a Oceana no #DeLivreDePlástico e aponta soluções para reduzir a poluição por plástico.
- Quando foi lançada a Campanha Mares Limpos e com qual objetivo? O que a campanha propõe para reduzir a poluição causada por esse material nos oceanos?
A Mares Limpos foi lançada em fevereiro de 2017 com o intuito de sensibilizar a sociedade para o problema da poluição plástica que está afogando nosso oceano. Com a campanha, o Pnuma busca criar um movimento global de pessoas, empresas e governos, gerando compromissos voluntários, além de planos de combate ao lixo no mar. Desde o início, 69 governos, incluindo o Brasil, já se comprometeram com a campanha, perfazendo mais de 60% da costa mundial. Após cinco anos, a campanha está numa nova fase, promovendo compromissos baseados em metas (como a #DeLivreDePlástico e o Compromisso Global pela Nova Economia do Plástico) e mobilizando a sociedade em torno da discussão para um tratado global sobre plásticos, processo que terá sua primeira reunião de negociação entre Estados-membros no fim de novembro, no Uruguai.
- O Pnuma e a Oceana estão juntos na campanha #DeLivreDePlástico, responsável por cobrar de aplicativos de delivery de alimentos medidas concretas para reduzir o uso de plásticos descartáveis em suas entregas. Qual é o papel desse setor no combate à poluição por plásticos?
Sempre tivemos entregas de refeições prontas e mercado no Brasil: a vendinha entregava para clientes próximos; o restaurante e o bar faziam o mesmo. Mas dois fatos mudaram o impacto desse setor: o advento dos aplicativos, que facilitam o acesso a uma gama maior de estabelecimentos comerciais, e a pandemia, que alavancou as compras online e, com isso, o consumo de embalagens de uso único para entrega. Os aplicativos, então, se colocaram numa posição de mediação entre as partes: o comércio, seus clientes e entregadores e, inclusive, quem fornece a embalagem. Isso significa que as políticas desses aplicativos afetam toda a cadeia, promovendo boas ou más práticas, e com uma enorme capilaridade. Isso gera responsabilidade, o que ficou claro tanto na pesquisa de opinião lançada por Oceana e Pnuma em 2021, que mostrou que 86% dos usuários consideram os apps responsáveis pelas entregas, quanto pela atuação dos aplicativos, que reconheceram que podem fazer a diferença. Essa capilaridade permite que todos os atores estejam na mesma plataforma e os compromissos dessas plataformas sinalizam para o mercado a importância do combate à poluição plástica e moldam sua direção para reduzir seu impacto ambiental.
- Muitas campanhas já defenderam a conscientização do consumidor final como rota de solução do problema. Qual foi a importância de trazer novos atores para a discussão e ter, como principal foco da campanha, o convite às empresas do setor de delivery de alimentos a adaptarem sua operação?
Abordar a poluição plástica pelo lado do consumidor final passa por algumas questões fundamentais: mesmo que todo o plástico seja coletado, ele raramente é reciclado, seja por motivos técnicos seja por econômicos; e o crescimento da produção do plástico é muito maior do que nossa capacidade de construir infraestruturas de coleta e reciclagem. Quando eu peço uma refeição por aplicativo, eu não tenho como saber em que embalagem ela virá. Será que ela virá embalada num material com alta ou baixa reciclabilidade? Como eu posso fazer minha parte se existe um vício de origem, não tive escolha sobre o que está chegando na minha casa? Então, para fazer frente ao tamanho do desafio, precisamos que o sistema mude, para oferecer opções melhores e mais amigáveis ao meio ambiente, que combatam a poluição plástica. E isso só é possível quando a cadeia está envolvida. Trazer os aplicativos para a conversa, dado que estão conectados a todos os atores dessa cadeia, significa que eles podem ser o vetor da mudança.
- Recentemente, o IFood apresentou suas metas para reduzir o uso de plásticos descartáveis em suas operações. Qual a importância desse passo para o combate à poluição marinha?
Além do impacto direto dessas metas, ou seja, a redução efetiva da oferta e consumo de itens plásticos de uso único no delivery, temos também outros resultados importantes. Com essa mudança, que envolve milhões de usuários, estabelecimentos comerciais, entregadores e fornecedores, toda a cadeia de entrega de refeições e compras de mercado, temos também um impacto simbólico e que leva à inovação. Conforme as metas vão sendo divulgadas, há um estímulo para o mercado embarcar na mudança e reduzir sua pegada plástica, buscando novas formas de atender às necessidades de quem consome com menor impacto ao meio ambiente. Outro efeito é que a pequena parcela de usuários para quem essa questão ainda não está no radar tende a se sensibilizar, o que traz mais engajamento para a discussão da poluição plástica e como podemos combatê-la.
- De que forma a sociedade pode contribuir para mitigar esse problema? Como reverter o foco atual dos discursos públicos de que a solução está apenas na mão do consumidor e na reciclagem?
Sabemos que esse problema depende de ações conjuntas e concertadas entre os mais variados setores da sociedade – da academia e sociedade civil a empresas e governos. Ou seja, todo mundo tem um papel a realizar para que possamos reverter a maré da poluição plástica. A sociedade deve, além de fazer suas escolhas em busca de soluções com menor impacto, usar sua voz e exercer sua cidadania, demandando que os setores público e privado implantem políticas para combate à poluição plástica, que privilegiem o reuso em detrimento dos descartáveis. Só assim quem está na ponta da cadeia poderá exercer seu direito de escolha por soluções com menor impacto ambiental. As alternativas ao plástico estão em processo de amadurecimento. Já existem soluções prontas, que dependem apenas de sinalização de que há demanda para sua produção. Outras são ainda mais simples: basta que a gente recuse o que não precisamos, como é o caso de canudos, sacolas e outros itens opcionais. Boa parte da solução passa mais por mudanças de processo e regulação do que novas tecnologias.
Quanto à reversão do discurso de responsabilização do consumidor, eu devolvo com uma pergunta: hoje, uma parcela importante do plástico separado para reciclagem nunca é reciclado, seja porque existem dificuldades técnicas (produtos multicamadas, por exemplo, são muito difíceis de reciclar) ou econômicas (o plástico virgem é tão barato que não conseguimos vislumbrar como valorizar de maneira adequada o material pós-consumo). Então se, mesmo descartando corretamente, o isopor, o sachê, a embalagem de salgadinho não serão reciclados, como afirmar que a responsabilidade é de quem consome? Se a própria indústria não absorve o plástico pós-consumo, quem vai reciclar esse material? Ou, de forma mais simples, se todo o plástico for efetivamente separado e enviado para reciclagem, ele será reciclado? A resposta é não. Então não há como responsabilizar o consumidor final ou a ausência de infraestruturas de reciclagem ainda que a gente reconheça que esses elos da cadeia são fundamentais para o sucesso no combate à poluição plástica.
- Do ponto de vista do Pnuma, qual é o papel do governo e das lideranças públicas para a garantia de um futuro livre da poluição de plásticos?
Se quisermos fazer frente à crise global de poluição causada por plásticos, que está afogando nosso oceano e atingindo todos os ecossistemas do planeta, precisaremos atuar conjuntamente, cada ator tendo sua responsabilidade. Nesse caso, governos têm o importante papel de definir suas políticas para garantir alta reciclabilidade dos materiais, promover uma mudança de paradigma de produção e consumo, saindo do descartável para modelos de reúso, alinhando incentivos e desincentivos na direção de formas de produção e consumo menos poluentes. O interessante é que essas práticas tendem a ter externalidades positivas, então uma economia mais circular, além de combater a poluição, tende a ser menos intensa em carbono e mais equitativa. E isso é fundamental porque quem mais sofre, tanto com a crise climática quanto a de poluição, são as pessoas mais vulneráveis.