Início da safra da lagosta é celebrado com café da manhã livre de plásticos
Por: Oceana
O TEMA: Cotas de captura
Pescadores da Praia da Redonda, no Ceará, participaram de ação de conscientização, em meio à vitória que estabelece um limite de captura para a lagosta
O mar manso e esverdeado que alcança a Praia da Redonda, município de Icapuí, no Ceará, contrasta com a ansiedade e expectativa das dezenas de pescadores de lagosta que vivem na região. A vila toda é uma calmaria só: crianças caminham livremente, cachorros adormecem à beira-mar e, uma vez ou outra, um barulho de moto interrompe o som das marés. Mas, dentro de cada uma das casas que preenchem a rua principal, há um coração aperreado, ansioso pela hora de voltar ao mar.
No dia 30 de abril, já se identificava a movimentação. Incontáveis manzuás (petrecho que se assemelha a uma armadilha) eram preparados e enfileirados nas calçadas, iscas eram dispostas em baldes imensos, embarcações a postos, enquanto as mulheres preparavam um verdadeiro banquete – tudo ficando no jeito para que nenhum imprevisto atrapalhasse o dia tão esperado. Na madrugada do dia 1º de maio, começou a festa. Pouco depois das 3 horas da manhã, eles começaram a chegar. Uma dezena, depois duas, até serem cento e tantas pessoas, talvez a comunidade inteira: todo mundo veio ver e comemorar o início da pescaria do chamado “ouro do mar”.
O começo da safra
Para celebrar o fim do defeso e o começo de uma nova safra da lagosta, a comunidade realiza anualmente o chamado Café Volta ao Mar. Só que, em 2024, eles têm mais um motivo para comemorar: a adoção, pelo governo federal, de um limite de captura para a lagosta, importante medida de gestão que busca controlar a quantidade pescada e evitar seus excessos, entendida como um passo fundamental para a sustentabilidade da atividade.
Comemorando junto à comunidade pesqueira, a Oceana esteve presente durante o café da manhã e a saída das primeiras embarcações, incentivando outro debate fundamental para quem tem seu sustento nos oceanos: o combate à poluição marinha por plásticos. Essa foi a primeira vez que o evento foi realizado com esse princípio, e os pescadores e suas famílias foram orientados a trazer pratos e talheres de casa para a refeição. Café, pão, frutas, cuscuz, caldo quente, tudo servido a contento e sem plástico descartável. Teve até sorteio de brindes como canecas de alumínio, camisetas, posters da campanha Pare o Tsunami de Plástico e publicações da Oceana.
“Nossa proposta foi aproveitar esse momento tão marcante para os pescadores para falar de um tema que é do interesse de todos nós que protegemos a saúde e a abundância dos oceanos. Imagine quanto plástico de uso único é descartado em um evento assim: pratos, talheres, garrafas, embalagens e muito mais”, conta a analista de campanhas da Oceana, Miriam Bozzetto.
“Claro, esse é só o começo, mas é uma pequena mudança que promove uma reflexão maior sobre como podemos substituir esses produtos, quais outros materiais temos disponíveis e acessíveis no mercado e sobre como deixar a praia do jeito que todo mundo gosta de ver: limpa e bonita, como é aqui na Redonda”, completa Miriam.
Depois de muito papo e de barriga cheia, os pescadores deixaram o evento aos poucos e, no horizonte, era possível ver a longa fileira de embarcações e suas velas se abrindo, adentrando o mar. Cerca de 90 jangadas foram então tomando seus caminhos rumo às tão esperadas lagostas. É sempre assim: em pontos específicos, eles deixam seus manzuás e depois retornam à praia. No dia seguinte, tudo de novo, agora para buscar as lagostas. E depois de novo, e de novo, até o fim da safra ou, agora, até alcançarem o teto anual da pescaria, sempre como em uma loteria, como os redondeiros gostam de dizer, onde a sorte e os conhecimentos de anos e anos no mar definem quem é o vencedor. “Pelas experiências que a gente tem, esse ano é um ano que vai dar uma boa pesca!”, anseia Natanael Braga, um dos tantos experientes pescadores da região.
A Praia da Redonda, além de uma estonteante beleza natural, tem suas particularidades. Em todo o país, essa é uma das comunidades pesqueiras que faz mais questão de manter as tradições da pesca artesanal, com a maioria das embarcações ainda sem motor e a produção manual e familiar dos petrechos. Os redondeiros também possuem um forte senso de coletividade, reforçado pela história de luta dos pescadores, que vêm se mobilizando, ao longo de décadas, pelas boas práticas na atividade. Afinal, são eles os principais interessados na qualidade, na quantidade e na continuidade da pescaria.
Daí também o interesse pelo combate à poluição por plástico, problema que assombra as praias de todo o país – que recebem, anualmente, 325 milhões de quilos de resíduos plásticos. Testemunha disso é Antônio Francisco Soares, conhecido como Baé, funcionário da rede pública responsável por percorrer a Praia da Redonda de ponta a ponta, diariamente, recolhendo o lixo. “As pessoas estão ficando mais preocupadas com isso. Antes a gente tirava muito lixo aqui da Redonda, mas hoje eles prestam mais atenção. Ainda bem, né?”, lembra ele, com mais um motivo para celebrar.
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