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Julho 9, 2025

Mais uma safra sem limite para a pesca do pargo

Desembarque de pargo, no Pará. Foto: Oceana/Christian Braga

 

Atraso da medida completa vergonhosos sete anos, e ameaça a espécie e a pescaria

 

Após o período de defeso, o mês de maio marcou a retomada de algumas pescarias no Brasil. Entre elas está o pargo (Lutjanus purpureus), o segundo principal produto de exportação da pesca no país. No entanto, o que poderia ser motivo de entusiasmo é, na verdade, uma preocupação que se renova a cada ano, já que a atividade segue sem uma regra que limite a captura anual e, assim, permita a recuperação da espécie.

Apesar de ser uma espécie marinha reconhecida como importante recurso pesqueiro, a responsabilidade por estabelecer um limite para sua captura e outras medidas de gestão não é só do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), mas também, e principalmente, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) – o responsável por elaborar a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, conforme a Portaria 445/2014, que trata dos peixes e invertebrados aquáticos.

Ainda assim, em 2018, o MMA (em sua Portaria 228/2018) o reconheceu como espécie “passível de uso”, desde que fossem atendidas condições para recuperar o estoque e garantir uma pesca mais sustentável. Caso isso não ocorresse, seria obrigação legal do Ministério suspender a pescaria. E nada foi feito. O resultado é que, segundo a mais recente avaliação de estoque feita pelo Projeto RepensaPesca em 2022, a população de pargo está 30% abaixo dos níveis ideais.

Ciência para melhores resultados

Após um longo processo de consulta e subsidiado por uma proposta da Oceana, o MMA publicou o Plano de Recuperação do pargo ainda em 2018, com propostas embasadas em critérios e evidências científicas. Entre as estratégias emergenciais ali previstas estava a adoção do limite de captura, como já ocorre com outros pescados no país, como a tainha e a lagosta. Isso consiste em estabelecer uma quantidade máxima anual para a pesca, calculada com base em modelos estatísticos que avaliam a capacidade de recuperação da população em relação ao que é retirado do ambiente. “O limite de captura é uma medida utilizada globalmente, com resultados comprovados para reduzir ameaças de colapso e tornar as pescarias perenes. No Brasil, infelizmente, essa prática ainda é uma exceção”, explica o diretor geral da Oceana, Ademilson Zamboni.

“A ciência pesqueira existe para indicar caminhos para o ordenamento e a gestão das pescarias, garantindo sua sobrevivência. Mas nossos tomadores de decisões e parte do setor pesqueiro insistem em adotar o caminho da crendice infundada de que nada se esgota”, aponta o oceanólogo. “Perpetua-se uma relação perde-perde. As instituições perdem credibilidade por não fazerem o que está no seu mandato, e quem pesca perde por resistir às regras mais elementares para a subsistência de sua atividade, indo na contramão da garantia de estoques saudáveis para pescarias longevas”, complementa Zamboni.

No ano passado, o Comitê Permanente de Gestão (CPG) dos Recursos Pesqueiros Demersais do Norte e Nordeste, responsável por subsidiar a tomada de decisões do governo federal, e do qual a Oceana é parte juntamente com o setor pesqueiro e cientistas, chegou a um consenso sobre a necessidade de limitar urgentemente as capturas do pargo.

No entanto, na contramão dessas orientações, inclusive científicas, e às vésperas de o Plano de Recuperação da espécie completar sete anos, o que se vê é incompreensível: sem razão justificável, nada aconteceu. “A cada dia que passa sem o novo regramento, a responsabilidade pela sobrepesca do pargo recairá, principalmente, sobre o MMA, a quem compete o dever de fechar a pescaria ou de implementar ações para sua sustentabilidade – e ele não faz uma coisa nem outra. Mantida esta toada, o caminho é um colapso iminente”, argumenta o diretor científico da Oceana, Martin Dias.

Autoridade pesqueira

Tudo isso é sintoma do conflito vivido pelo Brasil quando o assunto é “autoridade pesqueira”. Cabe ao MPA e ao MMA, de maneira conjunta, construírem os regramentos necessários para garantir o bom uso dos recursos pesqueiros. Para isso, há na estrutura atual do governo um ministério todo dedicado à atividade da pesca e o Departamento de Gestão Compartilhada dos Recursos Pesqueiros, vinculado à Secretaria de Bioeconomia, na pasta de Meio Ambiente.

No entanto, essa corresponsabilidade ganha uma camada extra de atenção quando se trata de espécies consideradas ameaçadas de extinção ou em risco, pois o debate passa a incluir também o Departamento de Conservação e Uso da Biodiversidade, vinculado à Secretaria de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais, do MMA.

“Essa situação gera um vácuo na cadeia de decisões sobre a gestão das espécies que são entendidas, ao mesmo tempo, como fauna e como recurso pesqueiro. Mas não deveria haver um dilema aí. Nesses casos, a conservação pautada pelo uso sustentável deve prevalecer sobre uma proteção integral – ou intocável, por assim dizer. Mas, enquanto isso não se define, os prejuízos ambientais vão se acumulando, assim como os socioeconômicos”, aponta Dias.

O valor da pescaria

Espécie demersal distribuída do mar do Caribe até o sul da Bahia, o pargo é alvo de importantes pescarias nas regiões Norte e Nordeste do país, com destaque para o estado do Pará. Reconhecido como uma iguaria, dentro e fora do Brasil, ele ocupa a segunda posição no ranking das exportações de pescados em valor agregado, atrás somente da lagosta. Segundo dados do sistema ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), desde 2018, o Brasil exporta, em média, 4,7 mil toneladas anuais, e cerca de 90% desse volume é direcionado aos Estados Unidos. Nesse mesmo período, as exportações totalizaram uma movimentação de 258 milhões de dólares.