O paradoxo dos parques de papel
Por: Oceana
O TEMA:
A Oceana alerta para a importância da implementação de planos de manejo em Áreas Marinhas Protegidas, regulando pescarias como o arrasto
Estudos mostram que as Áreas Marinhas Protegidas (AMP) geram oceanos mais abundantes quando são corretamente estabelecidas e manejadas. No entanto, quando áreas, como o Mar de Wadden, não são efetivamente protegidas, acabam tornando-se “parques de papel” – ou seja, são protegidos na teoria, mas não na prática. Para interromper essa tendência preocupante na gestão dos oceanos, a Oceana e seus aliados defendem não apenas a criação de novas AMP em locais estratégicos, mas também mais firmeza na fiscalização das áreas já existentes.
Na fronteira entre Alemanha, Dinamarca e Holanda, o Mar de Wadden é considerado como um diamante bruto por ser habitat de focas, botos, aves migratórias e muita lama. A palavra wadden significa “lamaçal” em holandês, e a região entre marés que compõe o Mar de Wadden contém o maior sistema ininterrupto de áreas de areia e lama do mundo. Esses lamaçais promovem uma rica variedade de vida – de mariscos a peixes, como os linguados – e cumprem um papel importante nas “zonas de transição” que conectam terra à água doce e terra ao mar.
Por essas características únicas, o Mar de Wadden foi declarado uma Área Marinha Protegida. Grande parte dessa extensão também é Patrimônio da Humanidade, e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou que sua produtividade está entre “as mais altas do mundo”. Toda essa abundância, no entanto, segue ameaçada. A partir de dados de satélite da plataforma Global Fishing Watch (GFW), de 2021, a Oceana descobriu que cerca de 22 mil horas de pesca de arrasto de fundo foram praticadas nas águas alemãs da AMP do Mar de Wadden.
O arrasto é a modalidade de pesca que causa os maiores danos aos ecossistemas marinhos. Nela, redes pesadas são arrastadas por extensas áreas para capturar espécies que vivem próximas ao fundo e, ao fazê-lo, carregam tudo o que está em seu caminho, deixando o ambiente totalmente devastado e impróprio para a sobrevivência das espécies que não foram capturadas. Além disso, são pescarias com altos índices de capturas de espécies não-alvo e, por consequência, de descartes, que podem chegar a 80% – 90%, o que leva à redução da biomassa e perda de biodiversidade.
Mas o Mar de Wadden não é uma exceção. Um relatório da Oceana de 2020, intitulado “Unmanaged = Unprotected: Europe’s Marine Paper Parks” (“Sem manejo = Sem Proteção: os Parques Marinhos de Papel na Europa”, em tradução livre) concluiu que métodos de pesca destrutivos, incluindo o arrasto, ocorrem em 86% da área especificamente designada para proteger habitats de fundo do mar nas AMP europeias.
“As Áreas Marinhas Protegidas, como o nome sugere, deveriam oferecer proteção à vida marinha”, afirmou Vera Coelho, diretora sênior de incidência da Oceana na Europa. “No entanto, milhões de horas de pesca de arrasto de fundo foram identificadas em 2020. É inaceitável que a União Europeia tolere a destruição de áreas que ela se comprometeu a proteger”.
O MANEJO SALVA
Um artigo do cientista Enric Sala e do ecologista marinho Boris Worm, consultor científico da Oceana e professor associado da Universidade Dalhousie, no Canadá, concluiu que as AMP de proteção integral podem gerar “benefícios triplos” para a segurança alimentar, a biodiversidade e o clima. Worm aponta que a intensidade média do arrasto de fundo nas AMP em toda a União Europeia (EU) foi, em média, 1,4 vez maior do que em áreas não protegidas.
Diante desse cenário, a campanha da Oceana para acabar com o arrasto de fundo nas AMP em toda a Europa tem avançado. Em maio deste ano, o Parlamento Europeu adotou uma emenda não vinculativa que recomendava à União Europeia a proibição de “todas as atividades extrativas em escala industrial” nas AMP. Nicolas Fournier, diretor de campanhas para a proteção marinha da Oceana na Europa, explica que, embora o Parlamento Europeu não tenha mencionado explicitamente o arrasto de fundo, a linguagem adotada é um argumento convincente para acabar com essa prática. “Se a União Europeia quiser cumprir suas ambiciosas metas de biodiversidade e ter credibilidade diante da comunidade internacional, deve proibir a pesca de arrasto em todas as AMP imediatamente”, afirmou ele.
LUTA MUNDIAL
A Oceana está engajada em campanhas para proibir os métodos de pesca que impliquem em impactos sobre o fundo do mar, incluindo redes de arrasto e dragas, em todas as AMP da União Europeia. Até o momento, a Oceana e seus aliados protegeram mais de 10 milhões de quilômetros quadrados de habitats oceânicos das ameaças humanas, dentre elas a pesca de arrasto de fundo. Isso inclui a proibição do arrasto em todas as águas de Belize; nas águas municipais das Filipinas; nas águas ao redor das montanhas submarinas do Chile; em grandes bolsões de águas dos Estados Unidos e do Canadá; e em 4,9 milhões de quilômetros quadrados do Atlântico Nordeste, em profundidades de 800 metros ou mais.
No Brasil, a organização trabalhou com o setor pesqueiro do Rio Grande do Sul para afastar a pesca de arrasto de todo o mar territorial do estado, protegendo uma área de mais de 13 mil km². Após intensa campanha – que contou com ampla participação de pescadores artesanais e industriais, cientistas e políticos -, em setembro de 2018, foi sancionada a Lei 15.223, que institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e proíbe o arrasto em todo o estado.
Apesar dessa importante vitória, o arrasto no Rio Grande do Sul é objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2019, e a suspensão dessa pesca está ameaçada. Em junho deste ano, uma comitiva formada por pescadores e parlamentares da bancada gaúcha no Congresso Nacional entregou ao secretário-geral do STF, Pedro Felipe Santos, um Manifesto pedindo urgência na votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6218, de 2019. Sob relatoria do ministro Nunes Marques, esta ação questiona o poder do Rio Grande do Sul de legislar sobre a pesca de arrasto no litoral gaúcho entre 3 e 12 milhas da costa.
O oceanógrafo Martin Dias, diretor científico da Oceana, avalia que “os quatro anos sem pesca de arrasto no Rio Grande do Sul mostraram que é possível construir um caminho de recuperação para os estoques pesqueiros. Pescadores locais apontam aumento nas suas capturas. Essas evidências, ainda que baseadas no conhecimento empírico dos pescadores, corroboram as projeções feitas por especialistas. É um sinal de que os estoques pesqueiros locais começam a se recuperar, e milhares de pescadores gaúchos vão se beneficiar dessa maior abundância de pescados. A lei estadual, constitucional em sua essência, precisa ser mantida e esperamos que o STF julgue esse mérito o quanto antes, pelo bem do meio ambiente e do setor pesqueiro local”.
Texto produzido a partir da reportagem de Emily Petsko, publicada na página 14 da Oceana Magazine
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