O que é sustentabilidade? - Oceana Brasil
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Fevereiro 12, 2025

O que é sustentabilidade?

Cardume de sardinhas. Foto: Shutterstock

 

Durante mais de 10 anos, o mundialmente renomado cientista pesqueiro Daniel Pauly, fundador e diretor do projeto Sea Around Us, contribuiu para a revista internacional da Oceana respondendo às mais diversas perguntas sobre conservação marinha. Esse trabalho, recentemente reunido na publicação  “Pergunte ao Dr. Pauly”: Respostas para a conservação dos oceanos (em tradução livre, disponível em inglês), é a inspiração para a nova série Mar aberto: especialistas respondem, que iniciamos nesse ano no Brasil. Assim como nos textos de Pauly, membro do Conselho Diretor da Oceana, a intenção é informar o público sobre temas relacionados aos oceanos, de forma clara e sucinta, leve e atraente, mas sempre embasada na ciência.

Nessa primeira edição, o próprio Daniel Pauly é quem explica “o que é sustentabilidade”, a partir do ponto de vista da ciência pesqueira¹:

 

Daniel Pauly, cientista pesqueiro. Foto: Sea Around Us

Hoje em dia, tudo deve ser ou se tornar “sustentável”, e a sustentabilidade é vista como algo inerentemente bom. Na verdade, o termo se tornou tão difundido que foi gradualmente perdendo parte de seu sentido original.

Sustentável significa (ou significava) que algo pode ser mantido em um determinado nível por muito tempo. Os seres humanos geralmente querem fazer mais coisas que consideram positivas e menos coisas que consideram negativas. Assim, cunhou-se a expressão “crescimento sustentável”, que tem várias definições complexas mas é inevitavelmente contraditória, pois nada neste mundo pode crescer por muito tempo e continuar sendo o que é.

A ciência e a gestão pesqueira têm um conceito de sustentabilidade – conhecido por Rendimento Máximo Sustentável (RMS) – que também está cercado de polêmicas. O RMS foi elaborado com base na noção de que uma população de peixes explorada por uma pescaria pode, em princípio, suportar uma captura relativamente alta, desde que sua biomassa (ou abundância) não seja reduzida a menos da metade de seu nível caso não houvesse pesca. Sob essa condição (e levando em consideração as flutuações ambientais), pode-se obter um rendimento sustentado, assim como se pode, em princípio, viver dos juros para sempre, desde que se tenha bastante dinheiro no banco.

No entanto, no mundo real, as pescarias não costumam ser geridas para manter o RMS, e a maioria das populações de peixes tradicionalmente exploradas foi reduzida a níveis muito mais baixos do que aqueles que permitem manter esse rendimento.

Por exemplo, o bacalhau do Norte, localizado na região leste do Canadá, foi explorado pelas frotas europeias e canadenses de 1500 a 1950, com rendimentos que variavam de 100 mil a 200 mil toneladas por ano. Porém, no início da década de 1960, as traineiras industriais europeias começaram a trabalhar em uma população de bacalhau que até então só havia sido explorada usando linha de mão e armadilhas. As capturas aumentaram substancialmente, chegando a 800 mil toneladas em 1968. Voltando à nossa analogia bancária, essas embarcações não estavam apenas vivendo dos juros: elas invadiram o cofre do banco e estavam retirando grandes quantidades de dinheiro.

Como era de se esperar, a enorme população de bacalhau que historicamente sustentou as capturas entrou em colapso, assim como a pesca de arrasto, que foi fechada no início da década de 1990. Em anos recentes, a população de bacalhau está tão baixa (ainda menor do que nos anos 2000) que capturas de apenas 5 mil toneladas ao ano impedem que a espécie se recupere e volte à sua abundância anterior.

Biomassa de bacalhau no leste do Canadá (em milhões de toneladas/ano)

Biomassa (ou “abundância”) de bacalhau no leste canadense desde 1505, conforme reconstruído por Rose (2004) a partir de registros históricos de captura e um modelo matemático da população de bacalhau, considerando (linha pontilhada) e não considerando (linha contínua) as flutuações de temperatura. Desde seu colapso, a população tem permanecido em níveis muito baixos em função da gestão pesqueira focar na “sustentabilidade” (ou seja, exploração forte e contínua), em vez da recuperação.

Onde a sustentabilidade se encaixa nessa conversa? Bom, você pode manter uma população de bacalhau a níveis baixos e uma captura baixa por meio de uma “pescaria sustentável”, que é o que faz atualmente o Ministério da Pesca do Canadá. No entanto, por que manter uma produção tão baixa? Neste caso, o objetivo da gestão deve ser restituir a abundância anterior da população de peixes, e não manter sua condição de declínio.

A grande maioria das populações de peixes exploradas comercialmente em todo o mundo está sofrendo redução. A maior parte delas não está sendo tão reduzida quanto o bacalhau do Norte, mas muito do que consideramos como pesca “sustentável” significa, na verdade, apenas manter a penúria. Os Estados Unidos são um dos poucos países do mundo onde a sobrepesca sustentável não é aceitável. Por lei, as pescarias devem reconstruir os estoques esgotados até o nível do RSM, uma política que outros governos do mundo deveriam imitar.

O livro de Andy Sharpless², intitulado The Perfect Protein: The Fish Lover’s Guide to Saving the Oceans and Feeding the World (“A proteína perfeita: guia para os amantes de peixes de como salvar os oceanos e alimentar o mundo”, em tradução livre), é baseado na lógica da recuperação de populações de peixes dentro das Zonas Econômicas Exclusivas de cada país. Isso realmente ajudaria a alimentar o mundo, e não a “sustentabilidade” por si só.

 

¹Artigo de Daniel Pauly, originalmente publicado em inglês, na Oceana Magazine em 2021.

²Andy Sharpless foi CEO da Oceana por mais de 20 anos, e se aposentou em 2024.