Por Ademilson Zamboni*
Na 3ª Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC), realizada em junho, de forma inédita, o presidente Lula reconheceu a gravidade da poluição por plástico e surpreendeu ao afirmar, em alto tom, o compromisso do Brasil com a proteção dos oceanos e o enfrentamento dessa crise global.
Esse compromisso carrega um caráter de urgência que não pode mais ser ignorado: o Brasil é o maior produtor de plástico da América Latina, ocupa a oitava posição entre os maiores poluidores do mundo e despeja nos mares cerca de 1,3 milhão de toneladas de lixo plástico por ano – o que corresponde a 8% de todo o plástico que chega aos oceanos anualmente.
No entanto, no dia seguinte ao discurso na França, o mesmo presidente Lula deixou de assinar o “Apelo de Nice” – uma declaração conjunta de 95 países que cobra um Tratado Global Contra a Poluição por Plástico realmente ambicioso para reduzir a produção e o consumo desse material. Infelizmente, o discurso não se sustentou nem 24 horas.
“A expectativa é histórica: firmar um pacto jurídico vinculante para enfrentar a poluição por plásticos”
Foi uma oportunidade desperdiçada de mostrar ao mundo que nosso país está disposto a recuperar o atraso nessa agenda. Afinal, não estamos entre os mais de 140 países que já contam com alguma lei para restringir plásticos de uso único ou problemáticos. Mais uma vez, uma postura contraditória de quem almeja liderar a agenda em defesa do meio ambiente no cenário internacional.
Agora, em julho – mês em que o movimento global “Julho Sem Plástico” mobiliza a sociedade a reduzir a produção e o consumo desse material, os Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se preparam para a rodada final de negociações do Tratado Global, que acontecerá em Genebra, entre 5 e 14 de agosto. A expectativa é histórica: firmar um pacto jurídico vinculante para enfrentar a poluição por plásticos, uma ameaça que ignora fronteiras e já é considerada pela ONU a segunda maior crise ambiental do planeta, atrás apenas da emergência climática.
“Ao negligenciar essa crise ambiental, perdemos a chance de abrir caminho para novas oportunidades econômicas”
Se nada mudar, o Brasil irá a passeio na Suíça. A Estratégia Nacional Oceano Sem Plástico (ENOP), construída com participação da sociedade civil, não foi lançada. O decreto que regulamenta a logística reversa de embalagens plásticas – essencial para reduzir resíduos – não avança. Já são quase 15 anos de promessas não cumpridas, em que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tornou-se um exemplo de política pública arduamente conquistada, mas ineficaz. No início de agosto de 2024, terminou o prazo – já estendido várias vezes – para o país erradicar os lixões, mas ainda existem três mil depósitos irregulares com lixo a céu aberto. E o recém-lançado Plano Nacional de Economia Circular ignora, justamente, o plástico – material que motivou o debate.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 2524/2022, que propõe a implementação de uma Economia Circular do Plástico e traz soluções eficazes para o Brasil, está parado há um ano e meio na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, nas mãos do senador Otto Alencar (PSD-BA), relator da matéria. Enquanto ele se omite em apresentar seu parecer e o Executivo também não cumpre seu papel institucional, o Brasil adia, mais uma vez, o enfrentamento de um problema urgente e a construção de soluções estruturais.
Ao negligenciar essa crise ambiental, perdemos a chance de abrir caminho para novas oportunidades econômicas, de gerar empregos em cadeias produtivas mais limpas e posicionar o país como referência na transição de uma indústria altamente poluente para uma Economia Circular.
“Não se trata de escolher entre economia e meio ambiente”
Continuamos transformando petróleo – um recurso não renovável e poluente em toda a sua cadeia – em produtos de baixíssimo valor agregado, descartáveis, que geram prejuízos econômicos, impactos à biodiversidade e riscos à saúde humana, já que nossos corpos estão contaminados com microplásticos. Isso contradiz a essência da Economia Circular, que deveria priorizar redução, reuso e reciclagem.
Essa omissão não é casual, é política. Reflete a força de corporações e indústrias que bloqueiam avanços, travam políticas públicas e impedem o Brasil de exercer plenamente seu potencial como liderança ambiental. Em vez de liderar, o país se curva aos interesses de quem lucra com a poluição. A inversão de prioridades é clara: ao transferir a pauta da Economia Circular do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o governo sinaliza que o Produto Interno Bruto (PIB) vem antes da saúde do planeta e das pessoas.
Não se trata de escolher entre economia e meio ambiente. Estudos mostram que a transição para uma Economia Circular do Plástico é viável, sem grandes prejuízos para a indústria, desde que haja planejamento, inovação e compromisso com uma transição justa. Análise da Oceana, WWF e Systemiq revela que reduzir itens descartáveis e adotar modelos reutilizáveis pode gerar emprego, inovação, novos mercados e acrescentar cerca de R$ 400 milhões ao PIB brasileiro por ano.
“O Tratado Global contra a Poluição por Plástico é uma janela histórica para tornar o Brasil uma referência em sustentabilidade e uma nação que prioriza a vida”
Em vez disso, seguimos gastando dinheiro público para gerenciar resíduos que poderiam ser evitados, enquanto renunciamos à chance de liderar globalmente como país mega biodiverso que somos, com enorme potencial para a bioeconomia e setores produtivos mais limpos.
O Tratado Global contra a Poluição por Plástico é uma janela histórica para redefinir padrões produtivos, abrir novos mercados, atrair investimentos e tornar o Brasil uma referência em sustentabilidade e uma nação que prioriza a vida. Mas, por enquanto, estamos trafegando na contramão. Falta coragem para ousar fazer o que a ciência recomenda que precisa ser feito. E falta, acima de tudo, assumir que, se não agirmos agora, não haverá futuro para lucrar depois.
*Ademilson Zamboni é oceanólogo e diretor-geral da Oceana. O artigo foi publicado originalmente no portal de notícias Ecoa-UOL.
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