Junho 16, 2025
Por que precisamos estudar mais sobre o mar profundo?
Por: Oceana
O TEMA:
Depois de explicar o que é o mar profundo e como ele se apresenta, o pesquisador Paulo Ricardo Pezzuto, oceanógrafo, doutor em Zoologia e consultor da Oceana, retoma o tema em mais esta edição da série Mar Aberto: especialistas respondem. Afinal, por que essa imensidão desperta atenção e interesses em todo o mundo? E por qual razão precisamos investir cada vez mais em pesquisas, cujas descobertas desafiam a compreensão dos seres humanos?
O mar profundo apresenta desafios imensos para sua investigação. E não é apenas pela sua vastidão que, por si só, já seria o bastante. Nossa capacidade de observação direta do fundo do mar é, na maior parte dos casos, restrita a profundidades de cerca de 30 metros, que é o limite seguro para mergulhadores recreativos com equipamentos de respiração autônoma. Já os mergulhadores profissionais treinados, dotados de equipamentos muito mais complexos e com esforços e riscos altamente significativos, podem alcançar profundidades até dez vezes maiores.
Em terra firme, nossos corpos estão submetidos (e adaptados) à chamada “pressão atmosférica” que, grosso modo, corresponde ao “peso” exercido pela camada de ar que envolve a Terra. Nós a percebemos, por exemplo, quando subimos ou descemos uma serra de carro e sentimos a variação da pressão nos ouvidos. Em altitudes maiores, com uma menor “coluna de ar” sobre nós, a pressão diminui. No nível do mar, a pressão atmosférica aumenta. Como a água do mar é muito mais densa do que o ar, basta uma coluna de dez metros sobre nós para exercer a mesma pressão exercida pela atmosfera ao nível do mar. Em outras palavras, a cada dez metros de profundidade, a “pressão hidrostática” aumenta uma atmosfera. Portanto, no fundo das Fossas das Marianas, no Pacífico, por exemplo, estaríamos submetidos a uma pressão 1.100 vezes maior do que ao nível do mar, por estar situada a cerca de 11 mil metros abaixo da superfície.
Além de pressões elevadas, o mar profundo exibe outras condições limitantes para nós, seres humanos, como ausência de luz solar (exceto pela penumbra existente nas primeiras centenas de metros abaixo da superfície), temperaturas inferiores a 5 graus Celsius, correntes intensas em determinadas regiões e a grande distância em relação ao nosso habitat natural. Essas e muitas outras condições adversas fazem com que a exploração das características físicas, químicas, geológicas ou biológicas do mar profundo dependa da disponibilidade e emprego de equipamentos de altíssima tecnologia, geralmente lançados a partir de grandes embarcações de pesquisa. O custo de operação, normalmente, também é limitante, podendo atingir valores na casa de dezenas de milhares de dólares por dia. Uma realidade ainda mais difícil para países em desenvolvimento, como o Brasil, onde os recursos disponíveis para a ciência são escassos.
A busca pelo conhecimento, pelo novo, está cada vez mais enraizada nos seres humanos. No século XIX, com base nas tecnologias e informações disponíveis na época, o naturalista britânico Edward Forbes propôs que não haveria vida nos oceanos abaixo dos 500 m de profundidade. Denominada “Teoria Azóica”, projetava-se que a vida marinha diminuía em abundância e diversidade com o aumento da profundidade, até desaparecer por completo. Poucas décadas depois, com o avanço das pesquisas, a humanidade descobriu vida muito além e, hoje, sabe-se que mesmo as Fossas das Marianas são habitadas por organismos altamente adaptados às condições extremas do local.
Comunidades biológicas de elevada diversidade, incluindo recifes de corais, ou com biomassa exuberante, surpreendentemente localizadas em áreas com baixíssima concentração de oxigênio, presença de gases tóxicos e águas emanadas do subsolo com temperaturas de centenas de graus Celsius, têm sido descobertas no mar profundo.Essas descobertas desafiam a compreensão dos seres humanos e nos oferecem a oportunidade de conhecer o inimaginável. Entretanto, para além da busca do conhecimento per se, os oceanos também despertam interesses econômicos e geopolíticos.
A quase totalidade do petróleo produzido pelo Brasil, por exemplo, provém de poços perfurados no mar profundo. Além disso, mais de 90% do fluxo de dados de internet existente hoje entre países e continentes se dá através de cabos submarinos, em grande parte, instalados em regiões profundas do oceano.
Recursos pesqueiros, ainda que menos abundantes do que os de águas rasas, são explorados em certas áreas, alcançando valores elevadíssimos de comercialização. Inúmeros recursos minerais já foram identificados nas profundezas oceânicas, sendo alguns altamente raros e estratégicos, com jazidas muito mais significativas do que as localizadas em terra firme, apenas aguardando o desenvolvimento de tecnologias suficientemente desenvolvidas e economicamente viáveis para serem explorados pela indústria da mineração. Os próprios organismos têm sido alvo de estudos biotecnológicos, voltados à obtenção de compostos de potencial aplicação na fabricação de medicamentos ou em sofisticados processos industriais. No entanto, todas essas atividades, embora úteis aos seres humanos, acarretam impactos negativos aos ambientes profundos e seus habitantes.
Longe dos olhos e, consequentemente, da atenção da sociedade, sabe-se que tais impactos podem dizimar habitats, paisagens e comunidades biológicas de maneira definitiva – antes mesmo que as gerações atuais, e também as futuras, sequer saibam da sua existência. Portanto, mais do que nunca, é preciso pesquisar o mar profundo e, com base no conhecimento científico e nos mecanismos globais de governança, estabelecer e fazer cumprir regras claras e precautórias para sua exploração.
Se a humanidade das décadas seguintes a Edward Forbes tivesse sido capaz de dizimar as áreas profundas dos oceanos, hoje, talvez não tivéssemos a oportunidade de nos maravilhar com as contínuas descobertas sobre esse ambiente único e de nos beneficiar, ainda que de forma incipiente em certas áreas, dos seus potenciais usos. Nos restaria, talvez, acreditar na “Teoria Azóica” proposta pelo renomado naturalista, e seguir com nossa atenção apenas aos continentes, nossa casa primordial.
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