Taxação específica para plásticos de uso único chegou a ser contemplada na proposta, mas foi retirada de última hora. Com avanços, mas também oportunidades perdidas, Movimento RT3S faz um balanço dos principais resultados
Por quase três décadas, a Reforma Tributária seguiu como uma agenda em negociação no Congresso Nacional. Sua aprovação pelo Senado Federal no encerramento de 2024 foi um marco político para o Brasil, com avanços importantes, mas também oportunidades que poderiam ter sido mais bem aproveitadas. Por se tratar de matéria relevante para toda população e para as escolhas de modelo de desenvolvimento do país, a discussão contou com intensa mobilização da sociedade civil organizada na defesa de medidas aliadas ao bem-estar social, à defesa da saúde coletiva e à proteção do meio ambiente.
A Oceana fez parte desse debate importante, como membro do Movimento Reforma Tributária 3S (Saudável, Solidária e Sustentável) e enquanto organização que trabalha por soluções concretas no combate à poluição plástica. Por se tratar de discussão de natureza também econômica, trabalhamos pela defesa da inclusão do plástico descartável no escopo do Imposto Seletivo – aquele voltado a criar uma taxação específica para produtos com impactos na saúde pública e no meio ambiente, duas categorias nas quais o plástico se encaixa.
Em algumas audiências públicas no próprio parlamento, Lara Iwanicki, gerente sênior de advocacy e estratégia da Oceana, defendeu que a taxação adequada dos plásticos descartáveis teria efeito na redução da poluição e do consumo desses itens, no aumento das taxas de reciclagem e no estímulo à inovação tecnológica na busca de materiais alternativos e sustentáveis.
Iwanicki, em sua defesa desse argumento, apresentou uma proposta de emenda para a inclusão de plásticos descartáveis na Lei Complementar 214/25, que mais tarde foi apresentada por quatro senadores na reta final da discussão. As emendas chegaram a ser acatadas no relatório final da Reforma Tributária, mas nem deu tempo de comemorar. Na etapa final da discussão, o relator da matéria declarou publicamente que se equivocou ao incluir os plásticos de uso único na proposta de imposto seletivo – que acabou excluída da proposta final junto com bebidas açucaradas, armas e munições. Uma bela oportunidade desperdiçada de avanço rumo a soluções de combate à poluição por plásticos.
Em janeiro, o texto final foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após ter tramitado na Câmara dos Deputados e no Senado. A Lei Complementar 214 de 2025 trouxe alguns avanços, mas também apresenta pontos de atenção e retrocessos.
Nesse artigo, o Movimento Reforma Tributária 3S avalia os principais resultados da regulamentação, à luz das propostas apresentadas pelas organizações da sociedade civil que compõem o movimento. A Reforma Tributária 3S é um grupo de trabalho da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), que luta por uma reforma Saudável, Solidária e Sustentável. A 3S realizou diversas ações de incidência política e conscientização ao longo da tramitação do PLP no Congresso.
Plástico de uso único
Demandas da sociedade civil
- Inclusão de itens de plástico de uso único no Imposto Seletivo visando reduzir seus impactos ambientais e riscos para a saúde humana.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- O texto da reforma tributária tramitou nas duas casas legislativas sem a previsão da inclusão dos plásticos de uso único no Imposto Seletivo. Foram apresentadas 4 emendas no Senado pela inclusão, que chegaram a ser acatadas pelo relator e retiradas devido à pressão/lobby da indústria do plástico. É preocupante essa interferência, pois a incidência do Imposto Seletivo nesses itens poderia desincentivar seu uso e acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, fortalecendo a bioeconomia no Brasil e promovendo negócios e materiais sustentáveis.
Alimentação Saudável
Demandas da sociedade civil
- Utilizar o Guia Alimentar para a População Brasileira como referência na Cesta Básica, com composição majoritária de alimentos in natura e minimamente processados.
- Alíquota Reduzida para produtos da sociobiodiversidade e inclusão das características de alimentos beneficiados.
- Exclusão dos alimentos ultraprocessados como massas alimentícias (miojo e congelados), bebidas e compostos lácteos, extrato de tomate e pão de forma. Inclusão da água mineral.
- Ampliação da lista do Imposto Seletivo de modo a contemplar outros alimentos e bebidas ultraprocessados, tais como biscoitos, chocolates, sorvetes e caramelos, e expansão das bebidas adoçadas.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Cesta Básica: Guia Alimentar para a População Brasileira como referência. Composição majoritária de alimentos in natura e minimamente processados. Hortícolas, frutas e ovos com redução de 100% na alíquota, mesmo aqueles congelados e/ou cozidos. Inclusão de tapioca, erva-mate e açaí. Porém, houve manutenção de alguns alimentos ultraprocessados, como margarina, alguns tipos de queijos, cápsulas de café e fórmula infantil.
- Alíquota reduzida: em 60% para produtos hortícolas e minimamente processados e, ainda, para castanhas, óleos e farinhas, produtos da sociobiodiversidade brasileira, mesmo aqueles congelados e/ou cozidos. Porém, houve manutenção de alguns alimentos ultraprocessados, como massas alimentícias (miojo e congelados), bebidas e compostos lácteos, extrato de tomate e pão de forma.
- Imposto Seletivo: uma vitória foi a inclusão dos refrigerantes no imposto seletivo.
Álcool e Tabaco
Demandas da sociedade civil
- Tributação pelo Imposto Seletivo para tabaco e álcool, com reajuste anual de acordo com o IPCA, em vistas de reduzir o consumo.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Tributação seletiva para tabaco e álcool, com reajuste anual de acordo com o IPCA. Alíquota reduzida para pequenos produtores de bebidas alcóolicas.
Cashback
Demandas da sociedade civil
- Ampliação dos beneficiários do cashback de famílias com renda per capita de meio para até 1 salário-mínimo. E 100% de devolução da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Aumento de 50% para 100% da devolução da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
- Avaliação quinquenal da eficiência, eficácia e efetividade, enquanto políticas sociais, ambientais e de desenvolvimento econômico do cashback, da cesta básica desonerada e dos regimes diferenciados de tributação considerará o impacto dessas medidas na promoção da igualdade entre homens e mulheres e étnico-racial.
Agrotóxicos
Demandas da sociedade civil
- Exclusão dos HHP (Pesticidas Altamente Perigosos) da lista de insumos agrícolas com redução de alíquota; incidência do Imposto Seletivo sobre os HHP; previsão de classificação para novos pesticidas de acordo com sua toxicidade e vedação a da redução de alíquota, bem como a tributação seletiva de eventuais novos HHP.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Todos os pesticidas foram beneficiados, sendo mantidos na lista de produtos com redução de alíquota. Segundo dados do IPSA, esse quadro é preocupante pelo impacto negativo comprovado à saúde pública de produtores e consumidores de alimentos, bem como pela contaminação de aquíferos estratégicos para o futuro, e perda de biodiversidade crítica para a agricultura orgânica, tradicional, biodinâmica e familiar, podendo também restringir o acesso a mercados internacionais onde os HHPs são vedados.
Veículos
Demandas da sociedade civil
- Isenção da tributação seletiva para veículos de baixa emissão e tributação seletiva para veículos movidos a combustível fóssil.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Tributação seletiva em todos os veículos, com cálculo da alíquota obedecendo a critérios de eficiência e emissões, reciclabilidade dos materiais etc.
Mineração
Demandas da sociedade civil
- Tributação seletiva em toda a atividade mineradora, com alíquota de 1% para o carvão mineral.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Tributação seletiva com alíquota de 0,25% para o carvão mineral.
Óleo e gás
Demandas da sociedade civil
- Regime tributário que incentive a transição para alternativas aos combustíveis fósseis.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- As suspensões de pagamento do IBS e da CBS pelo Repetro terão validade para fatos geradores até 2040, ou seja, existe um prazo fixado para o fim do benefício fiscal concedido aos setores de óleo e gás.
Armas e munições
Demandas da sociedade civil
- Armas e munições sob a incidência do Imposto Seletivo.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- O texto da reforma tributária tramitou nas duas casas legislativas sem a previsão da inclusão de armas e munições no Imposto Seletivo. Portanto, a carga tributária sobre armas e munições será drasticamente reduzida. Essa tributação, que hoje pode chegar a 75,5% (a título de IPI, PIS/Cofins e ICMS, vide dados do Instituto Sou da Paz), poderá cair para apenas 26,5% (a título de IBS e CBS) segundo estimativa do Ministério da Fazenda.
Reciclagem
Demandas da sociedade civil
- Inclusão da cadeia de reciclagem entre os setores com benefícios tributários como forma de promover a economia circular, o reconhecimento dos trabalhadores deste setor e a melhor gestão dos resíduos sólidos no Brasil.
O que foi sancionado após aprovação do PLP 68/2024
- Previsão da possibilidade de apropriação de créditos presumidos para pessoas físicas, cooperativas ou associações que realizem a coleta ou triagem de resíduos sólidos e a venda para destinação ambientalmente adequada.
Conforme observa-se, a Lei 214/2025 traz inovações tributárias que poderão beneficiar a população brasileira. Entre elas, destacamos a criação do Imposto Seletivo que vai tributar e desincentivar produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente e a instituição do cashback, que visa devolver tributos para famílias de baixa renda. Contudo, muitos pontos de preocupação surgiram dos debates da regulamentação da reforma sobre bens e consumo, destacamos, sobretudo, a não incidência do Imposto Seletivo sobre as armas, munições, plásticos de uso único e agrotóxicos. Vale destacar que os últimos continuarão beneficiados pela alíquota reduzida, e as armas passarão a ter redução da carga tributária com essa legislação.
A regulamentação da Reforma Tributária no Brasil talvez seja a maior oportunidade que temos para garantir que os incentivos à economia nacional estejam alinhados aos princípios da saudabilidade, solidariedade e sustentabilidade, conforme preconizado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O novo sistema deve incentivar o que faz bem à saúde das pessoas e do planeta, e desestimular aquilo que faz mal, garantindo que os preços dos produtos reflitam os custos sociais que acarretam. Nesse sentido, o movimento Reforma Tributária 3S seguirá acompanhando o debate da reforma, para que ela se torne uma reforma exitosa que possa auxiliar o Brasil a enfrentar os desafios da atualidade como as crescentes desigualdades sociais e as mudanças climáticas.
*Artigo elaborado colaborativamente pelas organizações do Movimento Reforma Tributária 3S:
ABRASCO
Ação da Cidadania
ACT Promoção da Saúde
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Fian Brasil
INESC
Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
Instituto Ethos de Responsabilidade Social
Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
Oceana Brasil
Oxfam Brasil
MOST RECENT
Fevereiro 18, 2025
“O Brasil não precisa esperar pelo Tratado Global para reduzir o plástico”
Fevereiro 18, 2025
Trump prioriza o plástico, apesar de danos aos oceanos e à saúde
Fevereiro 14, 2025
Agência climática dos EUA desiste de regulamentar produtos da pesca ilegal importados
Fevereiro 12, 2025
Fevereiro 4, 2025
De Brasília a Manila: 10 anos da Oceana no Brasil e nas Filipinas