Por Ademilson Zamboni e Paula Johns*
Qual a relação entre a epidemia de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), principal causa de morte em todo o mundo, e a degradação do meio ambiente? Acertou quem respondeu: as indústrias de tabaco, álcool e ultraprocessados. Para enfrentar essa situação, organizações da sociedade civil ligadas à promoção da saúde e à preservação ambiental jogam luzes sobre a ação de setores da economia que lucram à custa de adoecimento, morte e destruição de biomas.
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Ministério da Saúde relacionam derivados de tabaco, bebidas alcoólicas e alimentos ultraprocessados — fórmulas ricas em sal, gordura, açúcar e aditivos; e pobres em nutrientes — ao desenvolvimento de dezenas de doenças. Entre as mais frequentes, diversos tipos de câncer, diabetes tipo 2, insuficiências cardiorrespiratórias, hipertensão e depressão.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que, na Europa, quatro indústrias — alimentos, álcool, tabaco e combustíveis fósseis — estão ligadas a 2,7 milhões de mortes anuais. Estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine revela que, em 2018, o consumo de ultraprocessados custou a vida de 124 mil pessoas nos Estados Unidos. Ainda segundo a OMS, em todo o mundo, a cada ano, o tabaco mata 8,7 milhões de indivíduos, enquanto a conta do álcool chega a 3 milhões.
No que diz respeito às ameaças à saúde do planeta, artigo na revista The Lancet mostra que, em três décadas, a produção de salgadinhos de pacote, bebidas de caixinha, biscoitos recheados, salsichas, entre outros, elevou em 245% as emissões de gases de efeito estufa, substâncias que aceleram o aquecimento global.
Só o Brasil despeja 1,3 milhão de toneladas de plástico nos oceanos todos os anos. Grande parte dessa contaminação vem do descarte de itens e embalagens. Efeitos nocivos do plástico permeiam toda a cadeia produtiva de ultraprocessados e bebidas alcoólicas. Numa lata de cerveja de 350ml, encontramos até 28 mil partículas de microplástico, aponta levantamento da Analyst. Há ainda o abuso na gestão dos recursos hídricos. Para obter 1 litro de cerveja, são necessários 298 litros de água (Water Foot Print Networking). A mesma quantidade de bebida açucarada demanda entre 300 e 600 litros de água.
A OMS monitora a devastação operada pela indústria de tabaco e derivados. A cada ano, o solo e os oceanos recebem cerca de 4,5 trilhões de bitucas, filtros de cigarro compostos por plástico e ingredientes tóxicos. Além disso, a fumicultura representa 5% de todo o desmatamento global. Pelo menos uma árvore é derrubada na fabricação de 300 cigarros.
A despeito da relevância, não basta trazer à tona tantas questões. Os caminhos para um futuro saudável também vêm sendo apontados por evidências científicas. Especialistas em saúde pública confirmam orientação da OMS e do Banco Mundial e recomendam o aumento de preços por meio da tributação como medida mais eficiente para reduzir o uso de produtos nocivos.
A reforma tributária instituiu o Imposto Seletivo para itens que fazem mal à saúde e ao ambiente. O texto, sancionado no início do ano, inclui na categoria derivados de tabaco, bebidas alcoólicas e refrigerantes. Mas, no contexto do debate sobre a regulamentação do projeto, destacamos dois pontos. Primeiro, a necessidade de estender a medida a todos os ultraprocessados e itens plásticos descartáveis de uso único. E, ainda, a importância de assegurar alíquotas que de fato cumpram a função de desestimular o consumo.
Uma única iniciativa, portanto, com duplo impacto… positivo!
*Ademilson Zamboni é diretor-geral da Oceana e Paula Johns é diretora executiva da ACT Promoção da Saúde. O artigo foi publicado originalmente pelo jornal O Globo.
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