Chefs dos EUA pedem o fim da pesca ilegal e da fraude em pescados
Em carta ao Congresso, eles reforçam a necessidade de rastreabilidade para todo o pescado vendido no país, inclusive os produtos importados
Novembro 25, 2021
Nos Estados Unidos, mais de 200 chefs e proprietários de restaurantes enviaram uma carta ao Congresso pedindo ação imediata para enfrentar a pesca ilegal, a fraude e os abusos dos direitos humanos na indústria do pescado. Especificamente, os chefs estão pedindo maior rastreabilidade das importações de pescado e transparência no mar para garantir que todo o produto servido no país seja seguro, capturado legalmente, de origem responsável e rotulado de maneira honesta.
A carta é assinada por renomados chefs, como Dan Barber, Tom Colicchio, Bun Lai, Rick Moonen, Jacques Pepin, Virginia Willis, e inclui 45 chefs da Força-Tarefa Blue Ribbon, um programa de excelência na formação de profissionais nos Estados Unidos.
“Somos uma coalizão de chefs que, como grupo, servem pescado a milhões de clientes por ano. Temos orgulho em alimentar nossas comunidades com pescado da mais alta qualidade, que não é apenas delicioso, mas também capturado de forma ética e com um custo ambiental mínimo. Temos o compromisso de servir pratos que sejam bons para as pessoas e para o planeta. Portanto, pedimos ao Congresso que reprima a pesca ilegal e os abusos relacionados ao trabalho forçado”, afirmam no documento.
Até 85% dos peixes consumidos nos Estados Unidos são importados, e até 32% do produto importado capturado na natureza vem da pesca ilegal ou não declarada. Um relatório da Comissão de Comércio Exterior revelou que, em 2019, o país importou 2,4 bilhões de dólares em pescado derivado da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada – o que pode incluir pesca sem licença, acima dos limites de captura, em áreas fechadas, de espécies protegidas e com equipamentos proibidos.
Essas atividades ilícitas podem destruir habitats importantes, causar grave esgotamento das populações de peixes e ameaçar a segurança alimentar global. Para os pescadores que praticam a pesca ilegal, a atividade é de baixo risco e lucros elevados, principalmente em alto mar, onde um marco jurídico fragmentado e a falta de fiscalização eficaz permitem que ela prospere.
Projeto tramita no Congresso
Em maio deste ano, os deputados Jared Huffman (Democrata da Califórnia) e Garret Graves (Republicado da Lousiana) apresentaram o projeto de Lei de Prevenção da Pesca Ilegal e Trabalho Forçado, uma proposta abrangente para acabar com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU, na sigla em inglês), e abusos dos direitos humanos na indústria de pescado.
Esse projeto, recentemente aprovado pelo Comitê de Recursos Naturais da Câmara dos Deputados, forneceria mais informações aos consumidores sobre o pescado que comem, exigiria que os peixes fossem rastreados do “barco ao prato”, aumentaria a transparência das embarcações, evitaria que o produto capturado ilegalmente entrasse no país e ajudaria a acabar com o trabalho forçado no mar. Além disso, o projeto permitiria aos Estados Unidos tomar medidas mais firmes contra os países que não enfrentam a pesca IUU e os abusos dos direitos humanos no setor de pescado.
“Como chef e defensora do pescado sustentável, eu apoio fortemente a Lei de Prevenção da Pesca Ilegal e do Trabalho Forçado”, disse Virginia Willis, chef e autora de um livro de receitas que recebeu o prêmio James Beard. “Essa importante legislação visa melhorar a rastreabilidade do pescado, combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, e coibir os abusos trabalhistas relacionados a tráfico humano, trabalho forçado e trabalho infantil na cadeia de produção do pescado nos Estados Unidos. Nossas escolhas com relação ao pescado são importantes e impactam não apenas a saúde do oceano, mas também vidas humanas”, enfatizou.
Problema generalizado
Em 2016, o governo dos Estados Unidos estabeleceu o Programa de Monitoramento de Importação de Pescado (SIMP), exigindo documentação de captura e rastreabilidade para alguns tipos de produto em que há risco de pesca ilegal e fraude. Atualmente, o SIMP só se aplica a 13 tipos de pescado importados, e os rastreia apenas do barco até a fronteira do país. Em 2019, a Oceana divulgou os resultados de uma investigação sobre fraude no pescado, testando espécies bastante consumidas e não cobertas pelo SIMP.
A investigação apontou que um em cada cinco pescados testados em todo o país estava rotulado incorretamente, demonstrando que a fraude continua sendo um problema generalizado no país. Essa fraude e a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada acabam prejudicando pescadores honestos e empresas que seguem as regras, mascaram os riscos à conservação e à saúde de certas espécies, e os consumidores acabam sendo vítimas de propaganda enganosa.
Brasil não tem rastreabilidade
No Brasil, a rastreabilidade dos pescados é extremamente precária, já que os sistemas de controle dos diferentes órgãos (como controle da pesca, controle sanitário e controle fiscal) não se comunicam. Além disso, alguns sistemas ainda são baseados em formulários de papel, o que dificulta ainda mais o rastreamento da origem dos produtos.
A Oceana defende que o país implemente sistemas de rastreabilidade nas cadeias produtivas, assim como os que já existem hoje para outros setores, garantindo procedência e controle de qualidade do que é vendido para o consumidor. Medidas de controle e rotulagem para a identificação correta garantem não só a saúde da população, mas também são um importante aliado na gestão dos recursos pesqueiros e no combate à pesca ilegal.
“Gato por lebre” é prática em vários países
A substituição de espécies em mercados e restaurantes é uma prática encontrada em vários países. No Canadá, uma investigação sobre fraude no pescado, divulgada em agosto passado pela Oceana, revelou que 46% das 94 amostras testadas em restaurantes e mercados das quatro principais cidades estavam rotuladas incorretamente, após resultados de testes de DNA.
Em 2019, o relatório Gato por Lebre, divulgado pela Oceana no México, mostrou que 1/3 das 400 amostras de peixes analisadas tanto de restaurantes e supermercados como de peixarias na Cidade do México, em Mazatlán e em Cancún eram fraudadas.
Já no Peru, a substituição de espécies também ocorre em níveis alarmantes. A investigação conduzida pela Oceana em parceria com a organização Pro Delphinus mostrou que 72% das 225 amostras analisadas não correspondiam ao nome dos peixes vendidos. Espécies com demanda e valor comercial altos, como a garoupa, eram frequentemente substituídas por peixes mais baratos, como o panga, peixe produzido em aquicultura. Segundo o relatório, o prato principal do Peru, o ceviche, era onde mais aconteciam as substituições.