Estudo cria bases para cota de exportação de pargo no Brasil. Governo tem solução à mão e ainda assim patina - Oceana Brasil
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Estudo cria bases para cota de exportação de pargo no Brasil. Governo tem solução à mão e ainda assim patina

Oceana mostra que o estoque pesqueiro, em situação de sobrepesca, precisa de medidas de monitoramento e controle mais efetivas.

Dezembro 1, 2023

Estudo revela que monitoramento  na ponta de exportação é mais eficaz. Christian Braga/Oceana

Estudo coordenado pela Oceana, o relatório “Subsídios para a Implementação de Limites de Captura para a Pesca do Pargo” demonstra que é possível controlar de forma eficaz a pesca do recurso a partir de sistema de monitoramento instalado diretamente nas indústrias exportadoras. A Oceana propõe uma estratégia que aprimora o ordenamento da pescaria. Hoje, a atividade enfrenta dificuldades decorrentes da pesca excessiva, das capturas ilegais e da insegurança jurídica que afeta todo o setor. Mesmo com propostas concretas encaminhadas pela Oceana e por empresas exportadoras ao Governo Federal nenhum avanço foi alcançado nos últimos anos.

Hoje, o pargo é o segundo recurso pesqueiro em nível de importância para a balança comercial brasileira, cujas exportações injetam por ano mais de R$ 200 milhões na economia nacional. O Pará é responsável por 87% da produção, segundo consta no Plano de Gestão do Pargo. O estudo coordenado pela Oceana indica que parte dessa produção, cerca de 25%, é exportada por outros estados além do Pará, especialmente o Ceará.

O principal destino do pargo brasileiro é o Estados Unidos, absorvendo entre 80 e 95% da produção.  Já o mercado interno da espécie é pouco conhecido. Estimativas imprecisas dão conta de que 30% da produção total permaneçam no Brasil, mercado este que absorve principalmente os peixes fora do padrão de exportação.

“Testamos um sistema de monitoramento dentro das quatro principais empresas que processam o pargo no Pará, e chegamos a resultados promissores. O sistema implantado na recepção desse pescado conseguiu acompanhar quase 90% das exportações paraenses, mostrando que é possível termos um controle efetivo da produção. O sistema de monitoramento do governo, hoje, baseado em Mapas de Bordo da frota, nos últimos cinco anos sequer conseguiu monitorar a metade daquilo que foi exportado, um cenário muito ruim”, observa o diretor científico da Oceana, o oceanógrafo Martin Dias.

Na safra de 2021, por exemplo, de acordo com o Painel de Monitoramento da Pesca do Pargo do Governo Federal, foram capturadas exatas 2.297 toneladas da espécie pelas embarcações licenciadas. Contudo, os dados de exportação disponíveis no portal de Comércio Exterior do Brasil do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, mostram a 5.175 toneladas da espécie no mesmo período.

Esses dados revelam que o Sistema de Monitoramento da Pesca do Pargo é extremamente falho, não apenas em razão do funcionamento precário dos Mapas de Bordo – ainda entregues em papel, mas sobretudo por que uma parte grande da frota que, ao que tudo indica, opera de forma clandestina, claro, não reporta captura.

Para que se construa um novo modelo de ordenamento é necessário, em primeiro lugar, evitar que a população de pargo diminua ainda mais e, neste caso, uma cota de exportação aparece como a melhor alternativa. Em segundo lugar, há de se reconhecer e enfrentar o fato de que a frota que atua nessa pescaria é maior do que aquela regularizada pelo Governo. ‘É urgente dimensionar esse montante. As embarcações precisam ser identificadas e caracterizadas quanto ao seu tamanho, petrecho e padrão de operação. A partir daí, há de se pensar em alternativas, dentre elas o descomissionamento da frota ou a sua regularização –medidas complexas, mas que deveriam estar em curso”, explica Martin Dias. Propostas concretas baseadas em resultados preliminares desse estudo foram apresentadas ainda em 2022 para o governo federal, mas nenhum encaminhamento foi dado.

PROPOSTAS REENCAMINHADAS

Embarcação com manzuás (armadilhas) para a pesca do pargo. Christian Braga/Oceana

Nos últimos dias 6 e 7 de novembro, o Comitê de Gestão do pargo se reuniu, e todas as propostas foram reencaminhadas ao governo, mas o cenário é de incerteza. Isso porque, em 2014, a espécie foi incluída na Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção, não há uma clareza sobre quem faz a sua gestão – se o Ministério da Pesca e Aquicultura ou o Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias. “Nesta última reunião, uma das solicitações apresentadas é a de que o governo defina claramente quem vai se responsabilizar pela gestão desse recurso. Sem isso, encaminhar soluções que recuperem o estoque e tragam maior segurança jurídica será algo impossível” afirma Dias.

Martin destaca ainda que “seguir agindo como se esse problema não existisse só vai piorar esse estado de coisas, e pode inclusive resultar na perda do principal mercado comprador de pargo, os Estados Unidos”. Este país possui um programa especificamente desenhado para combater a importação de pescados capturados de forma ilegal. O Programa de Monitoramento dos Pescados Importados (Seafood Import Monitoring Program, SIMP, em inglês) visa proteger a economia norte-americana, mas também a segurança alimentar global e a sustentabilidade dos recursos pesqueiros.

Uma das medidas que o governo norte-americano pode estabelecer é justamente a proibição de importação de um produto caso não haja o cumprimento de medidas que visem estabelecer sua rastreabilidade. O pargo brasileiro é uma das espécies foco desse monitoramento, e os dados oficiais do governo mostram que metade da produção exportada é, hoje, classificada como não declarada, o que na prática configura uma ilegalidade.

A SITUAÇÂO DO PARGO

O estoque de pargo está avaliado como sobrepescado (o tamanho da população está abaixo de níveis seguros) e em sobrepesca, indicando que a trajetória do recurso é declinar ainda mais. Corre, portanto, riscos do ponto de vista ambiental com consequências que também aparecerão na forma de uma severa crise econômica da pesca e de toda a cadeia produtiva à ela associada decorrente, basicamente, da falta do pescado.

A Oceana participou da elaboração, de um Plano de Recuperação da Espécie, publicado em julho de 2018, que tem como medidas um programa de monitoramento contínuo, o estabelecimento de limite de captura e o recadastramento e regularização das embarcações que atuam nessa pescaria.

“Não tratamos aqui de algo novo. Medidas simples como estabelecer um limite de captura ou uma cota de exportação e dimensionar a frota atuante são ações que já constavam no Plano de Recuperação do Pargo desde 2018 e nos encaminhamentos da 1º Reunião Ordinária do Comitê Permanente de Gestão dos Recursos Demersais do Norte e Nordeste (CPG Demersais N/NE), realizada em dezembro de 2022.  Não é preciso reinventar nada, apenas cumprir as recomendações acordadas”, alerta Martin Dias.

Independentemente da estratégia a ser adotada, Dias enfatiza que o ponto de partida é, sem dúvida, a adoção de um teto máximo de exportação como medida preventiva, que permitirá ao país entender: primeiro, o tamanho da frota possível e, segundo, discutir se eventualmente as embarcações podem ser regularizadas ou não. “Na prática, o impacto sobre os estoques pesqueiros vem do volume de peixe capturado, e não do número de barcos que estão operando. Além disso, um eventual colapso deste estoque prejudicaria a todos”, pontua.