Julho 17, 2025
O que são capturas incidentais e descartes?
Por: Oceana
O TEMA: Proteger habitats
As práticas de “bycatch” (em português, captura incidental ou acidental), seguidas de descartes, ainda são comuns na pesca e causam grandes impactos nos ecossistemas marinhos. Por isso, são combatidas ativamente por campanhas de organizações como a Oceana. É importante, portanto, não só compreendê-las tecnicamente, mas também avaliar os motivos pelos quais continuam acontecendo mundo afora. Nesta edição da série Mar aberto: especialistas respondem, o cientista pesqueiro Daniel Pauly*, fundador e diretor do projeto Sea Around Us e membro do Conselho Diretor da Oceana, apresenta uma reflexão sobre essa dimensão ética tão frequentemente ignorada.
As pescarias, em geral, têm como alvo uma determinada espécie ou grupo de espécies. É essa escolha que as define e para a qual o petrecho de pesca é adaptado. Assim, temos uma pescaria de atum com espinhel, ou uma pescaria de camarão com rede de arrasto, ou uma pescaria de espadarte com arpões.
Exceto quando o petrecho é muito seletivo (como no caso dos arpões), a espécie ou grupo-alvo é capturada, geralmente, junto a outras espécies que vivem naquele habitat ou têm hábitos semelhantes – razão que possibilita que sejam capturadas pelo mesmo petrecho. Assim, espinhéis ou redes de emalhe de superfície oceânica (atualmente proibidas), capturam, além do atum, uma grande variedade de animais que compartilham as mesmas águas abertas (como, por exemplo, tubarões), em quantidades que costumam exceder a captura da espécie-alvo. Da mesma forma, as redes de arrasto de camarão capturam, além de camarões, organismos que vivem no fundo do mar ou perto dele, incluindo corais, esponjas e várias espécies de peixes, como tubarões e raias. Usualmente, as redes de arrasto capturam de cinco a dez quilos de outras espécies marinhas para cada quilo de camarão.
A pescaria dessas espécies não-alvo é chamada de “captura incidental”, ou bycatch, um termo proposto no início dos anos 1950 por W. H. “Bertiee” Allsopp, cientista pesqueiro da Guiana, para substituir os enganosos termos “lixo” ou “resíduos” de peixe.
Uma vez que a captura incidental é retirada do mar e empilhada no convés de uma embarcação de pesca, os pescadores podem:
- retê-la, caso em que se torna parte da “captura desembarcada” ou “desembarques”, ou
- livrar-se dela jogando-a de volta ao mar, quando se torna um “descarte”.
Em todo o mundo, a pesca marinha gera uma enorme quantidade de descartes que, em meados da década de 1990, já era estimada em 26 milhões de toneladas por ano, ou cerca de um quarto da captura mundial da época. Na década de 2000, os descartes globais foram estimados em 7 a 8 milhões de toneladas, equivalente a cerca de um décimo das capturas marinhas. Acredita-se que esse declínio se deva à maior retenção de capturas incidentais, destinadas à produção de ração para a piscicultura, mas essa pequena estimativa é contestada.
A maioria das pessoas que não têm relação com a pesca acha que descartar peixes em perfeitas condições para consumo – em tempos de fome e escassez generalizadas – é antiético, e elas têm razão, mesmo que “apenas” 7 a 8 milhões de toneladas sejam descartadas. Além disso, alguns países pesqueiros, principalmente a Noruega, proibiram completamente o descarte, e a União Europeia está pronta para fazê-lo. Se conseguir proibir o descarte, o bloco europeu forçará suas pescarias a se tornarem mais seletivas e gerar capturas “mais limpas”, com menos espécies não-alvo.
Ah, e eu quase me esqueci! Entre as capturas incidentais e os descartes provenientes das pescarias do mundo, há uma quantidade enorme de aves, tartarugas e mamíferos marinhos, muitas ameaçadas de extinção. Mas, como espero ter mostrado acima, os descartes não se limitam aos animais fofos ou ameaçados. Ele é insano e imoral, mesmo quando olhamos somente para os peixes.
*Artigo de Daniel Pauly, originalmente publicado na Oceana Magazine de 2013, e republicado em 2024, na publicação “Pergunte ao Dr. Pauly”: Respostas para a conservação dos oceanos (em tradução livre, disponível em inglês).