Novembro 29, 2021
Cotas de captura: esperança para a pesca do pargo
Por: Beatriz Ribeiro
O TEMA:
O pargo (Lutjanus purpureus) é considerado uma iguaria, não só na culinária brasileira, mas também em países como os Estados Unidos. Não é à toa que os valores obtidos com sua exportação têm se mantido no patamar anual de US$ 30 milhões nos últimos anos, algo equivalente a R$ 150 milhões nas cotações atuais.
Apesar de sua grande importância socioeconômica, existem poucas informações sobre o estoque do recurso. Estudos recentes conduzidos pela Oceana apontam para um cenário de sobrepesca, o que significa que a quantidade desse peixe no mar está abaixo dos níveis ideais.
Sidney dos Santos, pescador há mais de 12 anos na região de Augusto Corrêa, na zona costeira do Pará, conta que a pescaria do pargo tem rendido menos em comparação a anos anteriores. “Sete anos atrás, nós passávamos 20 dias [no mar], hoje passamos 40 dias e a captura do produto diminuiu mais”, lamenta.
Todos os anos, de maio a dezembro, Bragança e Augusto Corrêa, no Pará, têm suas economias fortalecidas pela pescaria do pargo. O Pará é responsável por 87% de toda a produção de pargo no Brasil. “Meu pai era pescador e na minha família também tem parentes que pescam. E eu dependo muito da pesca. É de onde eu tiro o meu sustento e o da minha família”, afirmou Sidney.
Em 2014, a sobrevivência de Sidney e de outros pescadores foi bastante abalada devido à suspensão da pescaria do pargo. Esse peixe passou a integrar a Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, instituída pela Portaria 445/2014, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Foi um período de grande incerteza na pesca do pargo. Os debates pela liberação da pescaria e revogação da portaria 445 foram parar na justiça. O setor produtivo obteve, em parte, sucesso, já que a pesca acabou sendo autorizada. Uma solução mais definitiva, no entanto, surgiu a partir de um modelo de plano de recuperação proposto pela Oceana.
Em 2018, após um longo processo de consulta e debate, o Brasil adotou um plano de recuperação para a espécie, trazendo medidas de gestão baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis. Uma das estratégias inseridas nesse plano para recuperar a população do pargo era a adoção de limites de captura, o que ainda não ocorreu.
“[Se nada for feito] a tendência é cada vez mais diminuir [o peixe]. O que pode acontecer no futuro para mim e para minha família é o meio de vida se tornar mais difícil”, desabafa Sidney.
Há uma convergência entre cientistas, ONGs e pescadores ao afirmar que a pescaria do pargo está comprometida se não houver uma mudança efetiva no atual padrão de pesca. Um estudo publicado pela Oceana afirma que o caminho, fundamentado na ciência, para recuperar a espécie é, realmente, a adoção de limites de captura.
Essa medida de gestão da pesca é amplamente utilizada em muitos países, mas no Brasil ainda é exceção. Os limites de captura, ou cotas, consistem em determinar a quantidade máxima para a captura/pesca de uma espécie. Esses limites são calculados com base em modelos estatísticos que buscam simular como os estoques responderão às remoções causadas pela pesca. O limite de captura baseado na ciência permite que as populações de pescados se recomponham e prosperem, o que garante para as próximas gerações um oceano abundante de recursos pesqueiros.
Um exemplo a ser seguido
Esse foi o caso da tainha. A partir de estudos científicos conduzidos pela Oceana, em 2018 o Brasil adotou limites de captura para essa pescaria, e o modelo vem sendo adotado desde então. Ano após ano, pescadores, governo, cientistas e sociedade civil aprimoram o monitoramento e controle da pesca da tainha.
Cientistas concordam que, se aplicadas as cotas de captura corretamente, como vem ocorrendo nas safras mais recentes, os estoques de tainha tendem a se recuperar. Outra vantagem desse sistema é a melhoria na qualidade dos dados e informações coletados. Atualmente, capturas da pesca artesanal, industrial, exportações e empresas pesqueiras são monitoradas, o que contribuirá para aumentar o conhecimento e a qualidade das recomendações científicas futuras.
Esperança para o pargo
Pescadores do pargo, como Sidney, e de outras espécies à beira do colapso, como a lagosta-vermelha, pescada por “gente do mar” como Paulo Crispim e Ivan Laurinto, também poderiam se beneficiar da adoção de cotas de captura. É o que a ciência e o conhecimento empírico nos apontam como solução para proteger os oceanos, garantir a continuidade dessas pescarias e o sustento de milhares de famílias que delas dependem.