Agosto 26, 2022
Cultura amazônica e demanda por valorização dos saberes tradicionais marcam 4ª Oficina por uma nova Lei da Pesca
Por: Oceana
O TEMA:
A 4ª Oficina para a “Construção Coletiva de uma Nova Política Pesqueira Nacional” realizada em Belém, entre os dias 22 e 24 de agosto, foi marcada pelo ótimo preparo dos participantes e por debates bastante elaborados e aprofundados sobre a necessidade de modernizar a atual legislação pesqueira no Brasil. O reconhecimento e a valorização dos conhecimentos tradicionais e a participação das pescadoras e dos pescadores artesanais nos processos de tomada de decisão foram as principais demandas deste evento, que teve um clima bastante descontraído e foi marcado pela celebração diária da cultura da região Norte, com muita música, poesia e ciranda.
Um total de 25 pescadores/as e catadores/as de caranguejo dos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará e do norte do Maranhão representaram algumas das principais organizações da pesca no país, como a Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem), a Rede de Mulheres da Confrem, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a Confederação Nacional de Pesca e Aquicultura (CNPA) e a Articulação Nacional das Mulheres (ANP), além de outras lideranças regionais e locais da pesca e da agroecologia.
Importante ressaltar que, diante dos grandes desafios logísticos que caracterizam a região Amazônica, alguns desses/as participantes viajaram até quatro dias para estarem presentes nessa oficina. As longas distâncias foram percorridas utilizando diferentes meios de transporte, como barcos, ônibus e avião, com o firme propósito de contribuírem para a construção de um processo coletivo em que uma nova legislação da atividade pesqueira valorize seus modos de vida tradicionais.
“Essa atualização, este desenvolvimento da Lei é tão sonhado por nós! Estamos tentando garantir o respeito à nossa categoria de pescador artesanal. Temos muito orgulho de sermos pescadores, mas até pouco tempo éramos reconhecidos como trabalhador rural. O que dificultava muito os nossos direitos, pois somos do mar. Eu, por exemplo, pesco no Atlântico, na região do Oiapoque”, afirmou “seu” Júlio Garcia, de 61 anos, pescador do estado do Amapá, na área de fronteira com a Guiana Francesa.
Em relação à participação nos processos decisórios, ele complementa:
“Nós sempre desejamos que, antes que formulassem leis e decretos, nós pudéssemos ser consultados para que o governo nos insira nessas definições. Nós somos populações tradicionais com conhecimento da base, e precisamos ser respeitados como categoria, ser reconhecidos. Mas os órgãos governamentais não fazem isso”.
Nesse sentido, Josana Costa, pescadora da região do Baixo Amazonas e representante do MPP, reforça: “Este momento é muito oportuno, onde pescadores de vários estados da região Norte se juntam para uma participação e construção coletiva, feita a partir do nosso conhecimento, nos ouvindo. Porque é muito importante que, para além de sermos consultados, nós possamos deliberar e decidir em relação a uma nova lei que regulamente a pesca no Brasil”.
Revisão da lei é urgente
A defasagem da atual lei foi mais uma vez criticada nesta 4ª Oficina. Anatalício Santos, mais conhecido como “seu Lino”, diretor da Federação de Pescadores do Amazonas, declara: “Existe a necessidade da revisão da lei, que deixa uma lacuna muito grande, como a necessidade da inclusão de pescadores e marisqueiras dentro dela”.
Identificando-se como um guardião dos direitos dos pescadores e pescadoras, “seu” Júlio também apontou a necessidade de uma nova lei considerar os diferentes aspectos regionais do país. “O que é bom pro Norte, não é bom pro Sul. A pesca daqui, do Amazônico, é diferente da pesca do Nordeste. Então, precisa regionalizar!”, considerou. Ele apontou também a necessidade de os órgãos gestores produzirem dados sobre a atividade pesqueira. “A gente precisa de dados. Precisa saber os dados do estoque, se um estoque tá diminuindo, por exemplo… Mas no Brasil não temos dados de pesca”.
Outras demandas apontadas pelos participantes para uma nova lei da pesca foram:
- Garantir territórios pesqueiros;
- Revisar regularmente as medidas de gestão e dos períodos de defeso;
- Criar uma estrutura de comitês e conselhos permanentes para discussão da pesca, garantindo a participação de pescadores e pescadoras artesanais;
- Trazer mais estabilidade para a emissão dos Registros Gerais da Atividade Pesqueira (RGP) e das carteiras de pesca;
- Garantir a inclusão integral das mulheres pescadoras na legislação pesqueira;
- Implementar políticas afirmativas de educação para jovens e adultos de comunidades pesqueiras;
- Prever a realização de conferências de pesca para revisar/acompanhar a implementação da política pesqueira;
- Articular a viabilização de um censo da pesca periodicamente pelo IBGE;
- Criar um órgão responsável por administrar e implementar a política pesqueira;
- Garantir o reconhecimento de doenças ocupacionais da atividade;
- Definir melhor, na própria Lei da Pesca, os conceitos de pesca artesanal, atividade pesqueira artesanal (e suas atividades complementares), sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, manejo da pesca artesanal, cadeia produtiva, mulheres pescadoras, territórios e maretórios pesqueiros.
Mulheres da pesca
Como nas outras três oficinas realizadas anteriormente – em Fortaleza, Salvador e Florianópolis -, o encontro na região Norte também teve um período dedicado para que as mulheres pudessem dialogar e debater sobre as especificidades e os desafios que encontram no cotidiano da pesca.
A pescadora Marly Lúcia da Silva Ferreira, da comunidade Tamatateua, localizada no litoral de Bragança (PA), e integrante da coordenação da Secretaria de Mulheres da Confrem, afirma:
“Como mulheres, não podemos desistir dos nossos sonhos. Temos a oportunidade de reconstruir novos horizontes através dessa reformulação e proposta de uma nova lei”.
Próxima oficina: região Sudeste
A 5ª Oficina – de um total de 10 encontros com pescadores/as artesanais nesse processo de escuta e construção coletiva para uma nova política pesqueira no Brasil – acontecerá entre os dias 29 e 31 de agosto, em Niterói (RJ), com a participação de representares dessa atividade que vivem na região Sudeste. Ao longo do ano, outros debates serão realizados com organizações não governamentais, cientistas, pescadores industriais e sociedade civil com o propósito de contemplar as perspectivas de uma ampla gama de atores que atuam com a atividade pesqueira no país.
Fotos: Acervo Oceana
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