Recordista mundial de surfe, Maya Gabeira agita as águas também na Oceana
Por: Oceana
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Apaixonada por desafios, além de não se intimidar diante das maiores ondas do mundo, Maya Gabeira se tornou uma valiosa aliada na luta pela proteção dos oceanos.
Membro do Conselho Diretor da Oceana desde abril de 2021, Maya Gabeira apoia a organização contra a poluição marinha por plásticos no Brasil. Na campanha #DeLivreDePLástico, ela engrossa o caldo das celebridades que cobram dos aplicativos de comida medidas efetivas para a diminuição de plásticos descartáveis na entrega das refeições. Entre eles, está o iFood, empresa que lidera este setor na América Latina.
Nascida e criada no Brasil, Maya mora atualmente em Nazaré, uma vila de pescadores, em Portugal, conhecida como a capital mundial das ondas gigantes. Foi lá que, em 2020, ela quebrou o recorde mundial de maior onda já surfada: 22,4 metros. Em entrevista recente à Oceana Magazine, Maya revela o que pensa sobre a poluição dos oceanos e o medo do fracasso, entre outros temas.
Nos conte sobre suas lembranças mais antigas do oceano.
Maya: As minhas primeiras lembranças do oceano são de férias com meus pais em Angra dos Reis, perto do Rio de Janeiro. A gente costumava passear de escuna — um daqueles barcos turísticos grandes. Meu pai estava aprendendo a nadar na época. Então, minha irmã Tami e eu nadávamos melhor do que ele [ri]. Nós morávamos em Ipanema, perto da praia, mas eu vinha de uma família intelectual, que não gostava muito da cena praiana. A gente ia, geralmente, nos feriados.
Então, como você descobriu o surfe?
Maya: Aos 13 ou 14 anos, eu mudei de escola e fiz amizade com um grupo de meninos, e um deles virou meu namorado. Eram todos surfistas, e a paixão deles me impactou muito. Nós sempre passávamos os fins de semana na praia, e em algum momento eu me dei conta de que não queria ficar na areia. Por conta própria, eu entrei para uma escola de surfe porque, obviamente, os meninos não queriam ter que dar atenção a uma garota que era uma total iniciante.
Como foi sua primeira vez em uma prancha de surfe?
Maya: Foi muito difícil aprender naquela idade, porque eu já não era mais criança. Tudo é muito instintivo quando a gente é criança. Mas eu tive que fazer um esforço para me sentir confortável com o mar, e tive que aprender a ler o oceano. Ainda assim, eu me lembro da primeira vez que eu peguei uma onda e fui de lado, que é quando você está na face da onda. Isso foi na Praia do Arpoador, no Rio, e eu me apaixonei imediatamente.
Quando você percebeu que os oceanos estavam ameaçados?
Maya: Meu pai foi um dos fundadores do Partido Verde (PV) no Brasil. Então, eu sempre entendi a crise climática e o aquecimento global, porque nós conversávamos sobre isso em casa. Mas, para ser honesta, foi só nos últimos cinco anos, mais ou menos, que eu comecei a entender realmente o impacto disso sobre os nossos oceanos. Não é que eu não visse o lixo plástico. Isso sempre foi um problema visual para quem, como nós, passou os últimos 15 anos no mar ou na praia. Vemos cada vez mais os efeitos do plástico descartável, e isso é inegável. Mas é um pouco mais difícil ver que os peixes não são tão abundantes nem tão grandes quanto antes, e perceber que certas mudanças estão acontecendo abaixo de nós. É um oceano enorme, e nós estamos sempre em nossas pranchas, olhando para cima. É preciso estudar, se conectar e se informar para entender o que está acontecendo sob a superfície que não vemos com os olhos.
Qual problema relacionado ao oceano te preocupa mais?
Maya: Eu gostaria que fosse apenas um. Eu gostaria que nós pudéssemos dizer: “vamos simplesmente combater a extração de petróleo no mar” ou “vamos simplesmente combater o plástico descartável”. Isso seria um luxo nos dias de hoje. Eu estou muito preocupada com vários problemas, seja plástico descartável, petróleo no mar, sobrepesca ou destruição de habitats. Todos esses problemas estão na agenda da Oceana, e eu acho que são igualmente importantes. Eles estão todos ligados à destruição da natureza, que afeta nossa capacidade de viver em harmonia e de ter recursos suficientes para prosperar no futuro.
O que mais lhe agrada em fazer parte do Conselho da Oceana?
Maya: Como novo membro, eu me sinto extremamente privilegiada por participar das reuniões do Conselho. Acho que estou numa das melhores escolas do mundo, e estou aprendendo a salvar os oceanos com os melhores professores. Participar dessas discussões é esclarecedor. Não só me inspira, mas também me dá conhecimento e ferramentas para sair e difundir a mensagem. Me faz achar que é possível realizar todas as tarefas necessárias para um mundo mais saudável e um oceano mais saudável.
Você apoia a campanha contra a poluição marinha da Oceana no Brasil, através da qual o iFood se comprometeu, recentemente, a reduzir drasticamente os itens de plástico descartáveis de suas entregas. O que isso significa para o Brasil e para os oceanos?
Maya: Eu estou extremamente orgulhosa da equipe brasileira, porque foi uma campanha muito bem estruturada. Foi preciso muita estratégia para conseguir isso. A empresa, iFood, é responsável pela maior parte das entregas de alimentos no Brasil e, com a pandemia, vimos um grande aumento nesses números. Muitas entregas foram feitas, e eles estavam usando uma imensa quantidade de plástico descartável. Lutamos muito por meio de um abaixo-assinado e descobrimos que os consumidores eram a favor de ter uma opção sem plástico. A campanha deu certo porque entendemos e provamos isso para o iFood.
Você tem falado abertamente sobre o medo, principalmente depois de ter sofrido um acidente de surfe quase fatal em 2013. Embora a “ansiedade climática” seja um tipo totalmente diferente de medo, você tem algum conselho para quem enfrenta problemas que parecem assustadores ou insuperáveis?
Maya: O medo do fracasso foi algo que tive que superar. Foi muito desafiador, para ser franca. Depois de cair naquela onda gigantesca, há alguns anos, e quase me afogar, eu fiquei com medo de tentar de novo e não conseguir. Não só porque poderia custar a minha vida, mas também por causa da opinião de outras pessoas. Eu tive que aceitar a falha como uma possibilidade e não deixar que isso me afetasse. Acho que a única coisa que podemos fazer é entender o problema e trabalhar diariamente pelo que achamos certo. Ter ansiedade é normal, mas não há solução para um problema que você não enfrenta. O medo cria um sentido de urgência, forçando a gente a agir rápido e fazer as mudanças que necessárias. Talvez o medo e a ansiedade sejam as emoções que precisamos para, finalmente, romper e gerar a transformação necessária se quisermos sobreviver em um planeta saudável. O medo pode ser um grande professor.
Esta matéria foi originalmente publicada na última edição da Oceana Magazine.
Saiba mais sobre a nossa campanha que defende que os aplicativos de delivery reduzam o uso de plástico em suas entregas