Os elementos essenciais que garantem a efetividade da gestão da pesca

O objetivo é regular a utilização sustentável dos recursos pesqueiros e definir as competências e as responsabilidades dos órgãos de gestão.

Estoques
Pescarias
Transparência
Lei da Pesca

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, formalizada por meio da Lei nº 11.959 de 2009, é o pilar da gestão pesqueira do Brasil. Tem a função de regular a utilização sustentável dos recursos pesqueiros a longo prazo por meio da conservação e do manejo, a fim de manter ou recuperar estoques pesqueiros em níveis sustentáveis.

A política nacional tem ainda a importante função de definir as competências e as responsabilidades dos diferentes órgãos de gestão, a forma de acesso aos recursos pesqueiros, o monitoramento, o controle e a fiscalização.

A gestão eficaz dos recursos pesqueiros deve ser feita com base em informações científicas, instrumentos adequados, definições claras e precisas e por meio de definição explícita de competências e responsabilidades. Um marco legal que não prevê esses elementos essenciais refletirá em um sistema de gestão defasado e institucionalmente frágil, com consequências para o meio ambiente, para os recursos pesqueiros e para o setor. Com base nas diretrizes do Código de Conduta da Pesca Responsável da FAO, foram elaborados os seguintes indicadores para avaliar a Lei da Pesca:

  • a Lei da Pesca indica claramente os objetivos de longo prazo para a gestão pesqueira no país;
  • a Lei da Pesca determina que os estoques pesqueiros devem ser mantidos em níveis saudáveis e que os estoques sobrepescados devam ser recuperados;
  • a Lei da Pesca determina que a gestão pesqueira seja feita com base científica;
  • a Lei da Pesca determina que a gestão da pesca seja feita numa abordagem ecossistêmica;
  • a Lei da Pesca indica claramente os órgãos responsáveis e o processo de gestão da pesca.

Objetivos de longo prazo para a gestão pesqueira: atendido (ilustração)

Objetivos de longo prazo para a gestão pesqueira

Resultado

Indicador atendido. Este indicador avaliou se a Lei da Pesca estabelece claramente os objetivos a longo prazo para a gestão da pesca no Brasil, e se esses objetivos incluem a conservação e o uso sustentável dos recursos pesqueiros. Entende-se que a lei nº 11.959/2009 prevê objetivos de longo prazo e que estes estão relacionados à conservação e ao uso sustentável dos recursos pesqueiros.

Avaliação

Para analisar os resultados, é relevante esclarecer a função de um objetivo e a sua presença na Lei da Pesca, além de indicar quais dispositivos apresentam objetivos direta ou indiretamente. Existem diversos dispositivos dentro da Política Nacional da Pesca (Brasil, 2009) que indicam que a gestão da pesca e o exercício da atividade pesqueira devem ser feitos à luz de objetivos de longo prazo, visando assegurar a conservação dos estoques pesqueiros, a redução de impactos aos ecossistemas e a maximização dos benefícios sociais e econômicos. No entanto, há lacunas nesses dispositivos quanto à forma e ao conteúdo relacionado aos objetivos de longo prazo.

A política poderia deixar os objetivos de forma mais clara, como manter estoques saudáveis, evitar sobrepesca, recuperar estoques sobrepescados e evitar danos sérios ou irreversíveis aos ecossistemas. Esses objetivos, quando associados a definições técnicas de termos como sobrepesca, sobreexplotação e depleção, tendem a tornar mais robustos os pontos a serem levados em consideração na implantação da política pesqueira do Brasil.

Estoques pesqueiros em níveis saudáveis e estoques sobrepescados recuperados: não atendido (ilustração)

Estoques pesqueiros em níveis saudáveis e estoques sobrepescados recuperados

Resultado

Indicador não atendido. Este indicador avaliou se a Lei da Pesca determina explicitamente que a gestão pesqueira mantenha os estoques em níveis biologicamente seguros e que estoques sobrepescados sejam recuperados. A Lei da Pesca carece de definições importantes para a gestão da atividade. Apesar de haver obrigação para recuperar estoques sobrepescados, a lei possui lacunas conceituais, instrumentais e de competência que esvaziam a forma de implementação da obrigação de recuperar os estoques.

Avaliação

Este indicador trata de dois aspectos importantes relacionados à necessidade de a Lei da Pesca prever: 1) as definições relevantes para esclarecer o que significa a manutenção de níveis saudáveis dos estoques; 2) a obrigação de recuperar os estoques sobrepescados bem como de operacionalizá-la por meio de alertas.

Há lacunas na política nacional da pesca que inviabilizam a operacionalização dessas obrigações existentes. Há lacuna, por exemplo, na definição do que seja uma sobrepesca, uma sobreexplotação, uma depleção, bem como não há a normatização de alertas que sirvam de parâmetros para que o poder público aja diante da insustentabilidade de explotação de um recurso específico. Além disso, as competências para realizar tanto as avaliações quanto os estudos relacionados à recuperação dos estoques não estão indicadas claramente na lei, o que gera insegurança jurídica. Dessa forma, a obrigação de recuperar depende tanto de competências claras quanto de instrumentos precisos que não estejam submetidos às variações e flexibilizações políticas dos governos.

O indicador foi considerado não atendido uma vez que a lei possui lacunas conceituais, instrumentais e de competência que esvaziam a forma de implementação da obrigação de recuperar os estoques.

Gestão pesqueira feita com base científica: parcialmente atendido (ilustração)

Gestão pesqueira feita com base científica

Resultado

Indicador parcialmente atendido. Este indicador avaliou se a redação da Lei da Pesca indica claramente que informações científicas devem ser utilizadas para subsidiar a gestão pesqueira em sua tomada de decisão e que, na ausência de informações, seja adotado o princípio da precaução. A Lei da Pesca não possui dispositivos que estabeleçam de forma explícita e precisa o uso do melhor conhecimento científico para gerenciar a atividade pesqueira.

Avaliação

A Política Nacional da Pesca possui uma redação “frágil” e “pouco sofisticada” com relação ao uso da ciência, pois não prevê uma variedade de objetivos, princípios, obrigações e instrumentos que poderiam operacionalizar de modo mais preciso a ciência na atividade.

É relevante, sobre esse tema: a) indicar a natureza jurídica dos dispositivos que conectam a pesca com a ciência na Política Nacional; b) apresentar de que forma a interface é feita pelas normas de modo geral a fim de comparar a Lei da Pesca com outras normas.

O uso do melhor conhecimento científico disponível é levado em consideração pela norma, mas não há uma previsão clara de uma obrigação que poderia torná-lo mobilizável. Por esse motivo, há um atendimento parcial do indicador pela norma, pois há alguns dispositivos que preveem direta ou indiretamente o uso da ciência, mas de forma muito aquém do que poderia.

Gestão da pesca numa abordagem ecossistêmica: parcialmente atendido (ilustração)

Gestão da pesca numa abordagem ecossistêmica

Resultado

Indicador parcialmente atendido. Esse indicador avaliou se a política nacional determina que seja adotada uma abordagem ecossistêmica para o manejo dos recursos pesqueiros e das pescarias. A Lei da Pesca não prevê o uso da abordagem ecossistêmica no manejo dos recursos pesqueiros de modo preciso e claro, mas o art. 2º leva em consideração a abordagem ecossistêmica na definição de ordenamento pesqueiro.

Avaliação

A abordagem ecossistêmica para a gestão pesqueira leva em consideração os principais componentes e funções dos ecossistemas (funcionais e estruturais) quando se está gerenciando uma pescaria. Essa abordagem foi desenvolvida a partir de uma necessidade de integrar os impactos diretos e indiretos da pesca dentro dos ecossistemas de forma a obter os melhores benefícios de longo prazo (Garcia et al., 2003).

A Lei da Pesca não prevê o uso da abordagem ecossistêmica no manejo dos recursos pesqueiros de modo preciso e claro, mas também não pode ser considerada completamente silente sobre o tema. A abordagem ecossistêmica é citada de modo muito tímido em algumas normas e ainda não é uma fonte jurídica consolidada (seja como princípio, como obrigação ou como instrumento).

Órgãos responsáveis e o processo de gestão pesqueira: parcialmente atendido (ilustração)

Órgãos responsáveis e o processo de gestão da pesca

Resultado

Indicador parcialmente atendido. Este indicador avaliou se a Lei da Pesca define com redação clara e precisa os órgãos ou autoridades competentes pela gestão, ordenamento, monitoramento, controle, fiscalização da atividade pesqueira, assim como suas obrigações e responsabilidades.

Avaliação

Na Política Nacional da Pesca brasileira, as autoridades competentes pela gestão, ordenamento, monitoramento, controle e fiscalização da atividade pesqueira, assim como suas obrigações e responsabilidades, estão definidas de modo impreciso. A competência na Lei da Pesca é, na maioria das vezes, genérica e utiliza termos como “poder público, autoridade competente, órgão responsável”. A lei é mais precisa nos momentos nos quais a lei prevê a competência do poder executivo, ou de entes federativos como os estados e os municípios ou de órgãos como o órgão ambiental.

Um dos conflitos que podem ocorrer aconteceria entre o órgão competente para a gestão dos recursos pesqueiros e o órgão ambiental. Isso decorre da linha tênue entre o peixe como uma “commodity” ou o peixe como um recurso vivo parte do meio ambiente enquanto fauna. É importante constatar a falta de previsão com relação ao processo de gestão da pesca, incluindo processos de consulta à sociedade civil e tomada de decisão em questões centrais. Além disso, a lei falha ao não fazer uma previsão mais detalhada sobre a conexão entre os instrumentos da política e as responsabilidades dos “órgãos competentes” pelo descumprimento do uso do instrumento.

Leia a avaliação completa dos indicadores no relatório Auditoria Pesqueira Oceana. Você também pode baixar o conteúdo completo deste site em texto não formatado, num arquivo ZIP.